O discurso que alimenta o ódio à imprensa, tanto dos setores mais “conservadores” quanto dos mais “progressistas”, está recheado de generalizações, conhecimento raso e interesses particulares. No final, o resultado acaba sendo o mesmo. Ao incentivar a descredibilização da imprensa, alimenta-se as estratégias de migração das atenções para ambientes onde proliferam realidades alternativas e teorias conspiratórias. Um prato cheio para políticos messiânicos.
Em boa parte, a culpa é também dos empresários, jornalistas e pesquisadores da área. As redações jornalísticas e as universidades não têm encontrado meios para furar as bolhas e, muito menos, promover o debate de forma ampla e acessível sobre o papel do jornalismo na sociedade. As empresas de comunicação que apostam em conteúdos caça-cliques, dando voz a comentaristas/influencers que não medem esforços para gerar polêmicas e sensacionalizar, também ajudam a complicar ainda mais este cenário.
A convivência entre o negócio e o bem público, com todas as suas contradições, é o que expressa o sucesso do jornalismo como fenômeno moderno
E aí sobra espaço para que o cidadão comum, encorajado por esta comunicação de redes sociais em que todos se acham capazes de emitir opinião sobre tudo, se julgue conhecedor o suficiente para vociferar contra a mídia “comunista” ou “golpista”, mesmo que não tenha lido mais do que a manchete de uma notícia.
É claro que uma visão generalista do jornalismo não nos permite dizer que esta é uma atividade guiada exclusivamente pelos seus ideais canônicos. Podemos listar vários erros que a imprensa já cometeu ao longo da história. A imprensa brasileira, por exemplo, é marcada por vários episódios comprometedores já destacados pela literatura acadêmica.
Por outro lado, é preciso separar os atores que participam deste campo de atuação para começarmos a compreender a complexidade do tema. O jornalismo é movido pela diversidade de interesses, a começar pelo ambiente interno das redações, que não são espaços consensuais. Uma pesquisa realizada com jornalistas de todo o Brasil e publicada em 2019, na Brazilian Journalism Research1, indica, por exemplo, o distanciamento entre a chamada linha editorial dos jornais e os valores reconhecidos pelos profissionais.
Síntese das diversas contradições que movem a sociedade, o jornalismo oferece produtos que não poderiam expressar outra coisa senão as diversas disputas e negociações que se estabelecem cotidianamente entre grupos, instituições e organizações da sociedade. A convivência entre o negócio e o bem público, com todas as suas contradições, é o que expressa o sucesso do jornalismo como fenômeno moderno.
Os autores de grandes reportagens da história da humanidade se utilizaram de preceitos profissionais, compartilharam dos princípios da objetividade jornalística, aplicaram a técnica de produção e expressaram os valores éticos testados diariamente ao longo dos anos. Eles levaram em consideração o interesse da audiência e a credibilidade de suas produções. Ao mesmo tempo, foram movidos pelo espírito de mudanças sociais, fundamentado em um senso de justiça, liberdade e igualdade, mesmo que de modo indireto, quando o principal (e talvez único) interessado fora o público. Qualquer tentativa de simplificar o jornalismo a uma atividade comprometida com um interesse específico é ingênua ou mal-intencionada.
O jornalismo é negócio, claro, mas não só isso. As empresas dependem de audiência, de consumo de notícia, portanto, do público em geral. É o que torna uma marca relevante o suficiente para atrair publicidade ou investidores, quando o faturamento não está também ligado, sobretudo, ao financiamento por meio de assinaturas, por exemplo. Esta dependência reforça, em alguma medida, um sentido público sobre o negócio, do mesmo modo que uma notícia é produzida com base em técnicas que visam a sua oferta para consumo. É o que faz do jornalismo, com todos os seus problemas, uma atividade popular. Quando isto não acontece, é hora de se perguntar se o que está sendo publicado é, de fato, jornalismo.
Guilherme Carvalho, professor da graduação em Jornalismo do Centro Universitário Internacional Uninter e da pós-graduação em Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), é doutor em Sociologia com pós-doutorado em Jornalismo e diretor de Comunicação da Associação Brasileira de Ensino de Jornalismo (ABEJ).