A história do jornalismo registra momentos fascinantes. Destaco aqui um deles. Um exemplo de profissionalismo, independência e consciência da essência do nosso papel na sociedade.
O veterano jornalista Carl Bernstein, famoso no mundo inteiro depois da série de reportagens, escrita com Bob Woodward, que revelou o famoso escândalo Watergate e derrubou o presidente Richard Nixon, não forma com o time dos corporativistas de carteirinha. Sua crítica, aberta, sincera e direta, aos eventuais desvios das reportagens representa excelente contribuição ao jornalismo. Suas palavras parece que foram escritas para os dias de hoje.
“O importante”, diz Bernstein, “é saber escutar. As respostas são sempre mais importantes que as perguntas que você faz. A grande surpresa no jornalismo é descobrir que quase nunca uma história corresponde àquilo que imaginávamos.”
O comentário é uma estocada nas atitudes de engajamento, arrogância e prejulgamento que corroem e desfiguram a reportagem e minam a credibilidade das marcas.
“Os jornalistas, hoje”, sublinha, “trabalham com um monte de preconceitos. Fazem quatro ou cinco perguntas para provocar alguma polemicazinha de nada, mas evitam iluminar a cena, fazer compreender.” Com a autoridade de quem sabe das coisas, Bernstein dá uma aula de maturidade profissional.
O bom repórter ilumina a cena, o jornalista manipulador constrói a história. A distorção, no entanto, nem sempre é clara. Escapa, frequentemente, à perspicácia do leitor médio. Tem aparência de informação, mas não é. Daí a gravidade do dolo. Na verdade, a batalha da isenção, forte demanda da sociedade atual, enfrenta a sabotagem da manipulação deliberada, da preguiça profissional e da incompetência atrevida. Todos os manuais de redação consagram a necessidade de ouvir os dois lados de um mesmo assunto. Mas alguns procedimentos próprios de certa delinquência editorial, transformam um princípio ético irretocável numa grande farsa.
A apuração de faz-de-conta representa uma das maiores agressões à imprensa de qualidade. Matérias previamente decididas em guetos sectários buscam a cumplicidade da imparcialidade aparente. A decisão de ouvir o outro lado não é honesta, não se apoia na busca da verdade. É um artifício que transmite um simulacro de isenção, uma ficção de imparcialidade. O assalto à verdade factual culmina com uma estratégia exemplar: a repercussão seletiva. O pluralismo de fachada convoca pretensos especialistas para declarar o que o repórter quer ouvir. Mata-se a reportagem. Cria-se a versão.
A imprensa tem caído nessa armadilha antijornalística. Trata-se de uma prática que, certamente, acaba arranhando sua credibilidade. Ainda não conseguimos de superar a síndrome dos rótulos. Alguns colegas não perceberam que o mundo mudou. Insistem, teimosamente, em reduzir a vida à pobreza de quatro qualificativos: direita, esquerda, conservador, progressista. Tais epítetos, estrategicamente pendurados, têm dupla finalidade: exaltar ou afundar, gerar simpatias exemplares ou antipatias gratuitas. A reportagem é, ou deveria ser, sempre substantiva. O adjetivo é o enfeite da desinformação, o farrapo que tenta cobrir a nudez da falta de apuração. É, frequentemente, uma mentira.
É importante que os repórteres e responsáveis pelas redações tomem consciência desta verdade redonda: a isenção (que não é neutralidade) é o melhor investimento. O leitor quer informação clara, corajosa, bem apurada. E, hoje em dia, pode buscá-la em muitos espaços do imenso mundo digital. Ficará conosco se soubermos apresentar um produto de qualidade.
Estou convencido de que boa parte da crise que castiga a mídia pode ser explicada pelo isolamento de algumas redações, por sua orgulhosa incapacidade de ouvir suas audiências.
O jornalista de talento sabe descobrir a grande matéria que se esconde no aparente lusco-fusco do dia a dia. No fundo, a normalidade é um grande desafio e, sem dúvida, o melhor termômetro da qualidade.
Tem razão Carl Bernstein: não devemos sucumbir à tentação do protagonismo. Nosso ofício, humilde e grandioso, é o de iluminar a história.
Carlos Alberto Di Franco é jornalista.
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