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O jornalismo multimídia está com os dias contados. Símbolo de uma recente evolução narrativa e cume do processo de digitalização das redações, ele estará, muito em breve, obsoleto. Ouvi esta consideração, não literal, do professor Ramón Salaverría, vice-diretor de pesquisas da Faculdade de Comunicação da Universidade de Navarra.

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Segundo ele, a linguagem que hoje integra texto, áudio, vídeo e outros tantos recursos visuais certamente se manterá como base do trabalho da reportagem. Mas a tecnologia que incidirá na produção e distribuição de notícias possibilitará um tipo de jornalismo melhor descrito como “ubíquo”, presente em múltiplos espaços por meio de objetos conectados, e “multissensorial”, capaz de estimular outros sentidos que não apenas a visão e a audição.

Falando a um grupo de gestores de meios de comunicação, Salaverría, um dos mais renomados estudiosos sobre o tema, não seduzia a plateia com uma espécie de delírio futurístico. Pelo contrário. Trazia dados consistentes para demonstrar que a tal transformação digital está apenas no início. Algo bem maior e surpreendente trará soluções no âmbito da comunicação que ainda não somos capazes de imaginar. Um cenário altamente fascinante, reservado para aqueles que vislumbram, por exemplo, todo o potencial informativo dos carros autônomos, dos eletrodomésticos e de todas as coisas que, conectadas, passarão a captar e a fornecer dados.

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A conferência pronunciada no programa Estratégias Digitais para Empresas de Mídia, curso por mim dirigido há mais de duas décadas, muito me ajudou a refletir sobre o futuro do nosso setor. Temo não estarmos preparados para suportar o impacto das próximas etapas dessa revolução tecnológica. Enquanto as novidades chegam a galope para bater às portas das redações, nossas iniciativas digitais caminham com uma angustiante timidez. Somos facilmente deixados para trás e, por isso, saber que o tsunami tecnológico ainda está por vir deve nos servir de alerta. Nem nos recuperamos do primeiro nocaute –a perda das receitas publicitárias e a necessidade de um novo modelo de negócio– e, ainda desorientados pelo golpe certeiro, cambaleamos sabendo que a próxima queda pode ser ainda mais dura.

Nas análises publicadas neste espaço, venho insistindo que os meios precisam superar suas velhas dinâmicas e conceitos caducos. É urgente que se abram às necessidades reais de suas audiências e que dialoguem com o público. Hoje, porém, intencionalmente, desvio o foco das empresas para posicioná-lo na figura do jornalista. Individualmente, estaremos nós, profissionais das redações, prontos para enfrentar os desafios dos negócios digitais?

O jornalista, sem dúvida, sofre na carne as consequências da crise que assola grande parte dos veículos no Brasil e no mundo. Mas arrisco dizer que sua posição costuma ser, por vezes, um tanto cômoda. É mais simples procurar o inimigo no entorno e responsabilizar a direção das empresas informativas pelos repetidos fracassos na condução do negócio. Na visão de muitos profissionais, é da alta cúpula de onde partem as ordens para a implementação de uma estratégia fracassada e por onde se inicia a disseminação de uma cultura resistente a mudanças. É bem possível que haja uma dose de verdade nesta percepção. Mas ela não é completa. Em não poucos casos, são os próprios jornalistas, um a um, que precisam ser sacudidos e resgatados da perigosa inércia. Tragados pela nostalgia dos bons tempos, são muitos os que se mantêm presos a um passado glorioso que já não voltará.

Slide após slide, o professor Salaverría avançava em seu diagnóstico de tendências: listou os principais efeitos da tecnologia 5G sobre o jornalismo; mostrou diversas reportagens escritas por mecanismos de inteligência artificial e nomeou empresas que já fazem uso dessa tecnologia. Com um jogo de palavras, Salaverría trouxe um interessante contraponto ao inevitável questionamento sobre a substituição de um profissional qualificado por um computador. Segundo ele, o problema não é que os robôs escrevam como jornalistas, mas que jornalistas escrevam como robôs. E eis aí uma consideração que deve nos levar a refletir sobre o trabalho que temos feito.

Carlos Alberto Di Franco é jornalista.

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