A virada do calendário é sempre um convite à reflexão. Muitos leitores, aturdidos com a extensão do lodaçal que se vislumbra nos escândalos reiteradamente denunciados pela imprensa, pedem-me um balanço do desempenho da mídia. Todos são capazes de intuir que a informação tem sido a pedra de toque da tentativa de moralização dos nossos costumes políticos.

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Perguntam-me alguns, em seminários, debates e e-mails, se o jornalismo de denúncia não estaria extrapolando as suas funções e assumindo tarefas reservadas à polícia e ao Poder Judiciário. Outros, ao contrário, preocupados com reiterados precedentes de impunidade, gostariam de ver repórteres transformados em juízes ou travestidos em policiais.

Um balanço sereno, no entanto, indica um saldo favorável ao esforço investigativo dos meios de comunicação. O despertar da consciência da urgente necessidade de uma revisão profunda da legislação brasileira, responsável maior pelo clima de imoralidade nos negócios públicos, representa um serviço inestimável prestado pelo jornalismo deste país. A imprensa não tem ficado no simples registro dos delitos. De fato, vai às raízes dos problemas. Alguns poderosos desta República, não obstante o mar de cinismo e de mentira em que navegam, não têm conseguido impor seu projeto autoritário de poder. A democracia funciona. E a imprensa, fundamento básico dos sistemas de liberdade, não tem dado trégua aos caciques de plantão.

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A exposição da chaga, embora desagradável, é sempre um dever ético. Não se constrói um país num pântano. Impõe-se o empenho de drenagem moral. E só um jornalismo de denúncia, comprometido com a verdade, evitará que tudo acabe num jogo de faz-de-conta. Sabemos que há muito espaço vazio nas prisões do colarinho-branco. É preciso avançar, e muito, no jornalismo de buldogues. Os meios de comunicação existem para incomodar. Um jornalismo cor-de-rosa é socialmente irrelevante. A imprensa, sem precipitação e injustos prejulgamentos, está desempenhando importante papel na recuperação da ética na vida pública.

O jornalismo de qualidade, numa rigorosa prestação de serviço, pode ir ainda mais longe. Resgato hoje, neste espaço opinativo, uma sugestão editorial que venho defendendo há anos. Não seria má idéia inaugurar o Placar da Corrupção. Mensalmente, por exemplo, a imprensa exporia um quadro claro e didático dos principais escândalos: o que aconteceu com os protagonistas da delinqüência, as ações concretas ou as omissões dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Não se trata de transformar jornais numa espécie de contrapoder, mas numa instância de uma sociedade freqüentemente abandonada por muitas de suas autoridades.

Inauguremos, também, o Mapa das Promessas. É muito fácil. Basta recorrer aos arquivos e bancos de dados. Os políticos, pródigos em soluções de palanque, não costumam perder o sono com o rotineiro descumprimento da palavra empenhada. Afinal, para muitos deles, infelizmente, a política é a arte do engodo. Além disso, contam com a amnésia coletiva. Cabe ao jornalismo assumir o papel de memória da cidadania.

O jornalismo público não pode ser pautado pelas assessorias dos governantes ou candidatos, mas pelo interesse do cidadão. Precisamos falar do futuro, dos projetos e dos planos de governo. Mas devemos também falar do passado, das coerências e das ambigüidades. E, sobretudo, não podemos sucumbir às estratégias do marketing político que ameaçam transformar coberturas jornalísticas num show de chavões demagógicos e num triste espetáculo de inconsistência.

O Brasil depende, e muito, da qualidade técnica e ética da sua imprensa. Não cabem, portanto, atitudes amadorísticas. A opinião pública espera que a mídia, apoiada no crescente aprimoramento dos seus recursos humanos e nas balizas éticas, prossiga no seu ânimo investigativo.

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Carlos Alberto Di Franco é diretor do Master em Jornalismo, professor de Ética da Comunicação e representante da Faculdade de Comunicação da Universidade de Navarra no Brasil e diretor da Di Franco – Consultoria em Estratégia de Mídia Ltda.

difranco@ceu.org.br