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Recorrentemente a imprensa brasileira paga um preço injusto por ser a atividade cujo princípio é a exposição de informações que afetam interesses de grupos, sejam políticos ou econômicos. Mas, às vezes, nos deparamos com episódios que expõem a fragilidade ética de pretensos jornais e pseudojornalistas que colocam o lucro acima do interesse público ao apostarem em informações que expõem a privacidade de alguém famoso.
No livro O jornalista e o assassino, Janet Malcom provoca um debate sobre a ética profissional de um jornalista que faz amizade com um condenado para obter informações para uma reportagem. Os limites sobre a ética no jornalismo são sempre questionáveis, assim como a liberdade de expressão. Vale tudo para obter audiência? “Tudo que couber, a gente publica?”, questionaria Robert Darnton. É preciso reconhecer que certas questões não devem vir a público. E isso não é censura.
Nesse sentido, não há nenhum argumento que possa ser usado para justificar a publicação de informações relacionadas aos fatos que envolveram a atriz Klara Castanho recentemente. Há crime na publicação dos fatos? Provavelmente não. Mas, se for possível considerar os conteúdos publicados a partir do que prevê o profissionalismo, há uma profunda transgressão ética.
Quando um fato envolve a integridade de alguém, a pergunta que todo jornalista procura responder é se a publicação do mesmo beneficiará a sociedade
Caio Túlio Costa diz que a ética jornalística é constituída por uma moral provisória, reelaborada a partir das práticas profissionais e de acordo com situações distintas. Alguns aspectos são nebulosos para o jornalista, caminham na fronteira do interesse público e da ética e quase escorregam para algo antiético. Mas esse não foi o caso que envolveu a atriz. Os limites éticos eram muito claros, acentuando a gravidade do que fizeram os envolvidos na divulgação do caso.
Quando um fato envolve a integridade de alguém, a pergunta que todo jornalista procura responder é se a publicação do mesmo beneficiará a sociedade. Neste caso, a publicação dos acontecimentos e da maneira como foram divulgados, poderia provocar apenas um movimento: o julgamento moral de Klara Castanho sobre suas decisões, que, aliás, agiu dentro da lei, mesmo tendo sofrido um crime horrendo, como ela própria relatou.
Por isso, não se trata de avaliar se ela agiu certo ou errado. A única avaliação possível aqui é sobre o papel da imprensa nesta ocasião. E, nesse sentido, temos motivos para criticar. A atriz será lembrada para sempre pelo episódio, como se já não bastasse ter que conviver com a terrível lembrança e com os dilemas sobre sua decisão.
Por outro lado, temos também motivos para reconhecer a importância do jornalismo. Às vezes o problema está diante de nós, mas só notamos quando algum jornalista dá visibilidade para a questão. Este caso será lembrado em aulas de jornalismo por anos como a ocasião em que três indivíduos atentaram contra a ética, graças também ao papel que os jornalistas tiveram no episódio ao denunciarem a publicação de algo de caráter particular.
Após a publicação dos conteúdos, jornalistas e colunistas de diferentes jornais do país e entidades de classe repudiaram a atitude do trio. Foi preciso esta reação para que o jornal responsável pela divulgação retirasse o material de seu site e publicasse uma nota de desculpas. O autor da matéria fez o mesmo, preocupado com as sanções morais e éticas a que foi exposto, numa tentativa de justificar o ocorrido dizendo que a atriz tinha publicado o conteúdo em suas redes antes da sua publicação.
Qualquer jornalista ou assessor de imprensa sabe que uma das estratégias possíveis para reduzir os impactos da revelação de um segredo está justamente na publicação antecipada daquilo que aconteceu. Se alguém com uma coluna em um jornal de relevância entra em contato com você dizendo que vai tornar público um segredo seu, o que você faria?
O episódio revela a vilania de uma parte da imprensa brasileira, acostumada a assassinar a ética expondo de forma indevida a imagem de pessoas famosas para alimentar a ânsia de uma parcela da sociedade ávida por informações inúteis. Mas as reações de repúdio de pessoas em redes sociais, de jornalistas por meio de reportagens sobre o assunto, e professores, a partir do debate em aulas com futuros jornalistas, são também uma evidência de que outra parcela está sensível ao problema e que não está disposta a aceitar tudo que se publica.
Guilherme Carvalho é jornalista e doutor em Sociologia, professor de Jornalismo do Centro Universitário Internacional Uninter e do mestrado em jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) e é vice-presidente da Associação Brasileira de Ensino de Jornalismo (ABEJ).