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Imagem ilustrativa.| Foto: Unsplash

A cidadania não se resume ao pertencimento a uma nação ou a ser considerado cidadão pelo simples reconhecimento do Estado, vai muito além disso. O sociólogo britânico Thomas H. Marshall (1893-1981) afirmou que a conquista da cidadania contemporânea ocorreu pela participação ativa daqueles que não tinham direitos na busca pela garantia da universalidade dos direitos e da igualdade. Ou seja, a cidadania é construída por meio da participação ativa. Portanto, ser cidadão implica diretamente a participação na construção de uma sociedade que busca o bem-estar coletivo.

Partindo dessa reflexão, é possível perceber que o voto por si só não representa a totalidade dessa participação. Ele é uma importante ferramenta para legitimar as escolhas, mas a participação requer fazer parte diretamente da construção societária. No caso de uma democracia, isso ocorre por meio do diálogo, do embate de ideias e da construção de argumentos sobre o melhor caminho em busca de uma sociedade que garanta o bem-estar de todos. Diante disso, a participação política do jovem é fundamental para o desenvolvimento da cidadania como um todo, afinal, ele é integrante importante da sociedade e representa uma parcela da população que tem demandas e necessidades que não podem ser menosprezadas ou ignoradas.

Se observarmos a história do Brasil, o jovem sempre se fez presente na construção política do nosso país, até assumindo o protagonismo em alguns momentos. Mas é comum termos períodos de maior ou menor interesse e participação política desse grupo. Isso decorre da conjuntura de cada época. Ainda assim, o jovem tem importância fundamental nas discussões políticas, pois a sua visão é muito importante na construção coletiva de nossa cidadania. Ele precisa ser ouvido e é preciso desconstruir a ideia de que a inexperiência o impossibilita de ter ideias válidas.

Em uma configuração social em que as mudanças são velozes e constantes, o jovem é peça fundamental na construção da cidadania, afinal ele sempre está mais “antenado” a essas transformações e pode contribuir muito. Os jovens não são apenas mais flexíveis a novas ideias, como normalmente também criadores delas.

Nos últimos anos vimos um aumento do interesse e da participação política não só dos jovens, mas da sociedade como um todo. Desde as manifestações de julho de 2013, o engajamento político, a participação e as discussões foram potencializadas pelo uso das redes sociais. Esse ambiente facilitou o acesso a informações, proporcionou o que chamamos de “ativismo digital” e alterou inclusive a atuação política dos nossos representantes. Pesquisas realizadas anualmente demonstram que o jovem passa mais tempo nessas redes, o que pode ser um fator determinante para esse aumento do seu interesse e da sua participação. Mas mesmo que possam representar uma excelente ferramenta de participação, é importante ressaltarmos que também há um caráter pernicioso das redes sociais.

O sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017), em uma entrevista no ano de 2016, chamava a atenção para o fato de que o usuário da rede social tem o poder de “construir” ou determinar o ambiente social no qual ele vai se manifestar e buscar informações. O fato de podermos adicionar, deletar e bloquear aqueles que farão parte de nossas redes sociais permite que o usuário construa uma verdadeira bolha, aceitando apenas aqueles que pensam igual e bloqueando os que discordam ou pensam diferente.

Assim, segundo Bauman, na rede social cria-se um substituto da comunidade, onde o indivíduo não necessita desenvolver suas habilidades sociais, como o diálogo, por exemplo; simplesmente se evita a controvérsia deletando e bloqueando os que são ou pensam diferente. Segundo o sociólogo, as redes sociais podem ser uma ferramenta de ampliação dos horizontes, de diálogo e construção, mas o que se tem visto é a formação de “uma zona de conforto onde o único som que escutam é o eco de suas próprias vozes, onde o único que veem são os reflexos de suas próprias caras”.

A democracia pressupõe a existência do debate, da argumentação, da contraposição de ideias. Ela só existe quando não há consenso. Mas é necessário compreender que esse debate gira em torno de um objetivo comum: a busca pelo bem-estar coletivo. Essa relação dialética da democracia não pode ser levada para o emocional, para o pessoal. A diversidade de pensamento é fundamental para a construção de uma sociedade democrática, assim, o debate deve ser feito de maneira muito mais racional do que afetiva, caso contrário a divergência de pensamento pode se tornar ódio ao diferente.

Não podemos generalizar, mas é possível perceber que, infelizmente, a maioria dos jovens acaba limitando-se aos discursos e ideologias reproduzidos por grupos e partidos. Ainda há um longo caminho a percorrer em busca da conscientização sobre a importância de construir o posicionamento político mediante o diálogo, a contraposição de ideias e ideologias, o acesso a informações fidedignas.

No contexto de polarização em que vivemos, a construção do pensamento político tem sido efetuada de maneira muito emocional e pouco racional. Um exemplo desse fenômeno é o ódio e a intolerância entre defensores de políticos, partidos ou ideologias “rivais”. Aqui utilizo o termo “rivais”, pois o que podemos observar é o confronto, o discurso de eliminar; assim, não são opositores, são de fato “rivais”.

Temos a sensação de que, por estarmos inseridos em uma sociedade digital ‒ ou, como o filósofo Pierre Lévy (1956) chamou, uma cibercultura ‒, acreditamos que já temos o domínio total das ferramentas digitais. Podemos até ter o domínio técnico, mas a finalidade positiva da utilização dessas ferramentas só é possível mediante a educação. Mas tanto a formação das “bolhas” ideológicas como o fenômeno das fake news podem ser combatidos com educação e conscientização. Para que os indivíduos utilizem as redes sociais como uma ferramenta positiva, é necessário ensiná-los a usá-la dessa maneira.

A contribuição da escola, por exemplo, é fundamental para que o jovem possa ter acesso a todo o arcabouço histórico e social desenvolvido na área política. Assim, é papel dessa instituição, fazendo uso do conhecimento científico e filosófico, propiciar ao jovem a possibilidade de ter as informações necessárias para sua formação enquanto cidadão crítico, autônomo, capaz de dialogar e construir uma sociedade muito melhor do que a que ele encontrou.

É um desafio e uma responsabilidade muito grande para a escola. Em tempos de polarização, ela precisa reafirmar a base na qual foi construída: a ciência. Assim, da mesma maneira que a democracia não é feita de consenso, a ciência não permite “verdades absolutas”. É necessário que a escola promova uma análise ampla do assunto, posicionando-se como facilitadora e não determinadora da formação política do jovem.

O ideal é que as crianças, já desde muito pequenas, tenham acesso a essas discussões. Quanto mais cedo começarmos com a construção do cidadão crítico, participativo, autônomo e disposto a contribuir para a construção social, mais preparado será o jovem e o adulto para esse compromisso.

Frederico Käfer é professor e coordenador de Sociologia do Colégio Bom Jesus de Curitiba.

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