A comunidade judaica sempre esteve presente em Portugal. Faz parte da sua história e das suas raízes. Como em muitos países, há muitos séculos os judeus sefarditas foram alvo de uma grande injustiça. Foram obrigados a se converter ao cristianismo no período da Inquisição; caso não o fizessem, teriam os seus bens confiscados, seriam perseguidos e até mortos. Felizmente, com o tempo, Portugal admitiu que tal atrocidade foi um “erro histórico” que, ao longo dos séculos, se mostrou desfavorável ao país. Assim, mais de 500 anos após esta perseguição massiva, Portugal aprovou uma lei para reparar a história e devolver a nacionalidade aos descendentes dos cidadãos convertidos de maneira forçada. Entretanto, tal injustiça ainda não foi inteiramente reparada e sofre contínuas ameaças.
Entre 2015 e 2021, o número de pessoas que descobriram uma ancestralidade judaica coibida no período da Inquisição e obtiveram a cidadania por este meio foi de 57 mil. Falamos de gente que conseguiu, finalmente, reencontrar-se com o seu passado, cumprindo uma profunda ligação emocional e cultural com um país que também é seu por direito, tal como foi dos seus antepassados. Estamos falando de uma comunidade extremamente importante, que tem também acrescentado valor a diferentes setores em Portugal. Apenas para exemplificar, estima-se que, nos últimos sete anos, o investimento dessas pessoas no país seja de 6 bilhões de euros, resultando na criação de 10 mil empregos em áreas como tecnologia, imobiliário, serviços ou turismo.
Ainda assim, em março deste ano, Portugal publicou um decreto de lei que alterou os requisitos para concessão de nacionalidade para descendentes de judeus sefarditas. Atualmente, 80 mil pessoas estão à espera para poderem ver também a sua injustiça reparada. São 80 mil vidas em suspenso, que cumprem os requisitos necessários e aguardam por ter a sua ligação com Portugal devidamente legitimada. É neste contexto que as notícias recentes que questionam a Lei da Nacionalidade trazem angústia e, sobretudo, a ideia de injustiça, que também afeta muitos brasileiros.
Dados históricos apontam que os judeus chegaram a representar 20% da totalidade da população portuguesa e que muitos migraram para o Brasil. Assim, mais de 30 milhões de pessoas no Brasil descenderiam de judeus, embora ignorem esta ascendência e a possibilidade da cidadania portuguesa por esta via. Entretanto, se as mudanças continuarem como estão, em um curto período de tempo muitos brasileiros poderão perder esse direito.
Infelizmente, parece que temos assistido a uma caça às bruxas em Portugal contra a comunidade judaica e os seus descendentes, que se sentem, mais uma vez, traídos. Isso porque há vários outros casos suspeitos relacionados com outros tipos de processos de cidadania, mas que não têm tido quase nenhum destaque na mídia ou movimentações por parte do governo português.
A comunidade judaica voltou a fortalecer Portugal, contribuindo para o seu desenvolvimento e criação de emprego. Não merece, portanto, ser julgada da forma como temos visto com essa nova lei imposta. Portugal parecia, finalmente, estar reparando os erros do passado. Mas a última mudança foi na contramão desse caminho. Uma coisa é certa: não desistiremos de lutar por fazer justiça e devolver esse direito aos descendentes de judeus sefarditas.
Itay Mor é advogado israelense e fundador do Clube do Passaporte, empresa especializada na obtenção da cidadania portuguesa com atuação no Brasil, Israel e Portugal.
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