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Judicialização da saúde: questão de sobrevivência para pacientes

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(Foto: Arquivo Creative Commons)

Muito tem se falado sobre a judicialização da saúde. As críticas mais comuns, e rasas, versam sobre o alto custo dos medicamentos, o “privilégio” aos demandantes via advogado particular, o desequilíbrio econômico causado e a falta de evidências.

A ineficácia do sistema parece ser a base de toda esta problemática. Estudos apontam que o Ministério da Saúde, todos os anos, deixa de executar o seu orçamento em assistência farmacêutica. Isso mesmo: sobram recursos, os quais, no acumulado desde 2003, somam 177% do orçamento.

Os medicamentos para doenças raras lideram o ranking de judicialização: são responsáveis por 90% das demandas judiciais. Tais medicamentos não são incorporados ao sistema de saúde sob a justificativa da falta de evidências.

Criticar a judicialização é, necessariamente, condenar o paciente de doença rara à morte

Esclareçamos, em primeiro lugar, a seguinte premissa: em uma amostragem de pacientes de enfermidades raras (como o próprio nome alude, poucas pessoas para estudo), as evidências nunca poderão ser comparadas às evidências em enfermidades de alta prevalência. O princípio da equidade traz à luz a solução para este tipo de situação: tratar os desiguais desigualmente. Ou seja, mudar os parâmetros para incorporação de medicamentos para enfermidades raras.

Criticar a judicialização é, necessariamente, condenar o paciente de doença rara à morte. Além da infelicidade de ser “agraciado” com uma enfermidade que acomete poucos, o que os críticos da judicialização pretendem é deixá-lo à mercê da própria sorte – ou azar.

Além disso, mais de 80% dos pedidos de incorporação externos (provocados por órgãos de fora do governo) são negados e, desde 2003, apenas um medicamento órfão para doença rara foi incorporado. Em síntese, o governo não está aberto a ouvir a sociedade. Ainda que exista apenas uma única chance de sobrevivência ao paciente (medicamento órfão, registrado na Anvisa), o governo insiste na “falta de evidências”.

Nós, associações de pacientes, temos muito a acrescentar a este debate, mas apenas somos “ouvidos” através de formulários que nunca sabemos se são lidos. A judicialização tem sido o único meio de sobrevivência dos pacientes, e o governo busca, de qualquer forma, distorcer esta ferramenta, criando um perfeito sistema de não incorporação e descumprimento da Constituição, com viés de “equilíbrio”.

Muitas pessoas não sabem, mas, quando um medicamento é incorporado ao sistema público, o seu custo cai até 85% se comparado com a compra em decorrência de medida judicial. Portanto, as cifras astronômicas apresentadas pelo governo com gastos em judicialização poderiam ser reduzidas sensivelmente se houvesse interesse em escutar todos os agentes da cadeia afetada, incluindo os pacientes.

Outro argumento bastante utilizado contra a judicialização é que a maioria das prescrições de medicamentos provém de médicos particulares, insinuando um “privilégio” aos mais abastados. O que não se esclarece é que os médicos do governo, na maioria das vezes, são proibidos, sob pena de sanção (e demissão), de receitar medicamentos não incorporados, ainda que entendam ser aquela a única chance de o paciente sobreviver. O que muitos fazem, portanto, é indicar um colega que possa prescrever a receita em seu receituário particular para que o paciente, num ato de desespero, possa buscar o seu direito.

Há, ainda, a polêmica dos medicamentos não registrados pela Anvisa. E, dentro desta questão, temos de separar duas situações bem distintas: uma é dos medicamentos sem eficácia e segurança comprovadas, sem registro em nenhum outro órgão regulador no mundo. Concordamos que, neste caso, não é admissível o fornecimento ao paciente, pois nem o médico pode ter convicção sobre os reais benefícios da droga. No entanto, para os medicamentos que já estão registrados no FDA (Estados Unidos) e EMA (Europa), não parece que a discussão seja aplicável. Afinal, o que a Anvisa tem a inovar em relação aos pareceres dessas outras agências?

Por fim, uma das últimas brilhantes ideias, revestidas de aparente eficácia, foi a criação dos Núcleos de Apoio Técnico (NATs) para orientar os magistrados, o Ministério Público e a Defensoria nas demandas judiciais que visam a assistência à saúde. O que não se comenta, no entanto, é que os médicos dos NATs são indicados pelo próprio governo. Algum palpite sobre a conduta adotada por eles?

A crítica à judicialização está revestida de um plano muito bem elaborado: coloca-se a sociedade contra ela mesma (a maioria das pessoas, que não são acometidas por doenças raras, acha um absurdo “pagar pelo outro”) e o governo não incorpora medicamentos de alto custo sob a alegação da falta de evidências. O paciente, por sua vez, lutando por uma vida digna, tem de judicializar, mas aí entram em ação os NATs, que orientam o órgão demandado a não prover a medida solicitada. Assim, o acesso à saúde fica limitado ao universo da corrupção e má vontade da maior parte do governo, tão distante da proclamada “igualdade de direitos”.

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