Antes de eu entrar para a polícia – e lá se vão 28 anos – já escutava a máxima de que a polícia prende e a Justiça solta. Com o passar dos anos e especializações, achei a frase um tanto exagerado, apenas o senso comum da sociedade. Mas de uns anos pra cá fiquei mais preocupado nesse sentido, ao pesquisar o tema para um novo livro sobre segurança pública, fiquei apavorado. A ideologia invadiu o Judiciário direta e indiretamente.
A forma direta é devido às escolhas dos ministros das altas cortes, feitas por governos com viés socialistas que comandaram o país nas últimas décadas. A forma indireta, quase um Cavalo de Troia, foi pela estratégia gramscista de usar as universidades para propagar a ideologia de esquerda. A doutrinação nas universidades rendeu frutos. Assim, grande parte dos magistrados possui um viés progressista, como preferem dizer, e isso reflete diretamente em suas decisões na segurança pública. Eufemismos e palavras bonitas como “garantismo penal” se transformam em políticas de desencarceramento, concessão de benefícios, liberação do aborto, das drogas e, como vemos com frequência, na atenuação do crime de tráfico de drogas.
Imagine uma pessoa sendo vítima de sequestro. Vivendo momentos de pavor, ela reza para que uma viatura pare o veículo em que está sendo levada. Mas os policiais poderão não agir, inibidos por essas decisões equivocadas do Judiciário.
Um exemplo disso foram algumas decisões recentes do Supremo Tribunal Federal que levaram à liberação de grandes chefes do crime organizado, proibição de ações da polícia em realizar nos morros cariocas ou do sobrevoo de helicópteros, bem como aceitar a recomendação do CNJ e liberar mais de 32 mil presos durante a pandemia do Covid-19.
Como o exemplo vem de cima, outras cortes ficaram à vontade para “empurrar a história”, tomando decisões igualmente equivocadas, exigindo ações cirúrgicas da polícia, determinando a necessidade de justificar milimetricamente o porquê de uma abordagem e, caso não se convençam, simplesmente trancam a ação ignorando que o “suspeito” tenha sido detido com grande quantidade de drogas. Decisões como essa não são consideradas um problema, afinal, um dos ministros do STF até afirmou categoricamente durante uma live defender “uma política de não prisão a pequenos traficantes” e que quando avalia casos que avalia “com 110gr, meio kg ou 1kg” não decreta prisão preventiva, e se o criminoso acaba condenado, cumpre a pena em regime aberto.
Ao arrepio da lei, mas dentro do notório saber jurídico dos magistrados, decisões desse tipo começaram a se tornar constantes, mesmo sabendo que o legislador direcionou a lei para uma punição rígida, dentro dos modestos padrões brasileiros. Nesse sentido, a 6ª Turma do STJ, por exemplo, vem se esforçando para soltar traficantes e inibir policiais de realizarem abordagens e buscas, mesmo quando elas obtêm êxito e culminam com a prisão em flagrante e grandes quantidades de drogas apreendidas.
Em Vitória da Conquista (BA), um homem pilotava uma moto quando policiais militares consideraram seu comportamento suspeito e o abordaram. Dentro de sua mochila foi encontrado 72 porções de cocaína, 50 de maconha, e uma balança de precisão. Um típico caso de flagrante de tráfico de drogas.
Porém, para a surpresa da polícia e da maioria da população decente deste país, Justiça, a 6ª Turma do STJ, com entendimento unânime, concedeu Habeas corpus ao suspeito, entendendo que “denúncia anônima e intuição policial” não justificam a busca pessoal. Ou seja, o poder discricionário do policial referente a uma atitude suspeita não vale mais nada. Ignore a experiência do policial, o local onde o suspeito está, suas atitudes e comportamento. Quando o policial ver um traficante passando com uma mochila na sua frente, não deve fazer nada. Talvez fosse o caso de o policial andar com um juiz no bolso para nessas ocasiões solicitar um mandado.
Em 2020, a mesma turma já havia concedido Habeas corpus coletivo garantindo o regime aberto para o pequeno traficante, que abrangia os já condenados e os futuros. Uma luz de bom senso iluminou o ministro Alexandre de Moraes, do STF, que acabou derrubando o veto ao regime fechado concedido pelo STJ. Mas, ainda assim, as decisões nesse sentido continuaram, sempre a favor dos traficantes e dando um “recado” para os policiais, especificando quais devem ser os critérios de abordagem de suspeitos.
Outro caso emblemático em que a ação da polícia sofreu interferência da Justiça aconteceu em 2021, quando os ministros trancaram uma ação penal por nulidade. Um guarda municipal seguiu o carro de traficantes, e um deles, aparentando nervosismo, saiu do carro e entrou em uma casa. Posteriormente foi abordado pelos guardas e com ele foram encontrado três tabletes de maconha. No mesmo ano, outra ação da polícia questionada pela Justiça, mas desta vez a discussão foi se a abordagem foi ou não por questão racial, questão que nem sequer havia sido colocada pela defesa no pedido de Habeas corpus. O preso, que havia sido condenado a 11 anos e 7 meses de reclusão por tráfico de cocaína, teve então a pena reduzida para 2 anos e 11 meses de reclusão, o que pela legislação brasileira significa o chamado regime aberto.
Mais recentemente, em setembro deste ano, concederam liberdade para um traficante que transportava 311kg de cocaína e confessou que recebeu R$50 mil pelo serviço. A Justiça também absolveu um condenado a 6 anos de reclusão por tráfico que havia sido pego com 21 kg de maconha, pois sua companheira não havia autorizado a entrada policial no local (como?). Interessante que o suspeito, ao avistar a polícia, tentou fugir, mas para a Justiça isso não justificaria os policiais terem feito a abordagem nem revistado a casa.
O Tribunal Regional Federal segue nesse mesmo sentido. Em 2021, em Itaguaí (RJ), policiais federais vigiavam um galpão, avistaram dois carros que entravam e saíam. Em seguida, viram policiais civis chegando e ingressando no galpão, a princípio para realizar uma inspeção. Os civis, bem como os federais, obviamente, já tinham informações sobre os suspeitos. Encontraram 695 kg de cocaína e prenderam os três homens que estavam nos carros. O TRF-2 anulou a apreensão e soltou os presos. Segundo a relatora do processo, desembargadora Simone Schreiber, os policiais federais “não conseguiram justificar de maneira clara, concreta e objetiva”, que “estavam diante de uma situação de flagrante delito cuja urgência de sua cessação justificasse o ingresso forçado no galpão”.
Ela não considerou as informações de inteligência dos policiais concluiu por “reconhecer a ilegalidade do ingresso dos agentes policiais civis e federais no galpão, das provas ali colhidas e das que são derivadas". Esse entendimento é recente, e reflete as últimas escolhas de ministros bem como o direcionamento ideológico nas universidades já há muito alertado. Bom para o crime organizado, ruim para a sociedade.
É assim que apagam a chama que brilha no bom policial, justificam o preguiçoso e garantem a impunidade do criminoso.
O crime de tráfico de drogas, por exemplo, é crime permanente, e o flagrante delito sempre descaracterizou a invasão a domicílio. O Brasil tem grande deficiência em tudo o que diz respeito à segurança pública. As polícias civis não têm condições de atenderem as demandas. Apenas 8% dos homicídios chegam ao autor; esse número cai para 3% nos casos de roubo. Essas decisões inibem o bom policial a realizar as abordagens necessárias e dão motivos para o preguiçoso não ter que fazê-las. O crime não fica alheio e se adapta facilmente; os pedidos dos advogados agora já estão recheados de acórdãos para embasar seus pedidos de liberdade e soltura de traficantes.
A PM atua em ação direta contra o crime, praticamente através de abordagens a pessoas em atitude suspeita. Só para ter uma ideia, de janeiro a agosto de 2022, a PM do estado de São Paulo prendeu 77 mil pessoas, apreendeu 144 toneladas de drogas e 4.500 armas de fogo, sendo a grande maioria em abordagens desse tipo.
E a interferência do Judiciário nas ações policiais se restringe apenas a questões relacionadas ao tráfico de drogas, mas a diversos outros crimes. Imagine uma pessoa sendo vítima de um dos milhares de sequestros que ocorrem no país. Vivendo momentos de pavor, ela reza para que uma viatura policial pare o veículo em que está sendo levada. Mas a polícia poderão não agir, inibidos por essas decisões equivocadas da Justiça, sabendo que o entendimento é de que suas percepções, tirocínio e o que ele enxerga como atitude suspeita não valem mais nada – e pode até ensejar uma punição. Infelizmente, essa vítima será conduzida para o cativeiro com a maior tranquilidade por seus sequestradores. É assim que apagam a chama que brilha no bom policial, justificam o preguiçoso e garantem a impunidade do criminoso.
Davidson Abreu é analista de Segurança Pública, bacharel em Ciências Sociais e Jurídicas, professor, escritor e palestrante. É autor do livro “Tolerância Zero”.
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