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O apocalipse é amanhã, se não for, serve o dia seguinte. Vendem-se declarações do fim do mundo por alguns centavos a dúzia. O alerta é repetido por dignitários, políticos, cientistas e celebridades: o fim está próximo - e cada vez mais próximo.
Associada à certeza do dia do juízo final está a condenação da agricultura. Armagedom e agricultura estão imbricados um no outro. Em 20 de março de 2023, a ONU alertou sobre a “bomba-relógio” da humanidade e divulgou um “relatório dos relatórios” enumerando um plano de vários trilhões de dólares para implementar políticas climáticas em todo o mundo. O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, proclamou o relatório como um “guia de sobrevivência para a humanidade” e pediu a eliminação gradual dos combustíveis fósseis: “Queridos amigos, a humanidade está em cima de fina camada de gelo – e esse gelo está derretendo rapidamente”.
As observações de Guterres foram particularmente irônicas, considerando que apenas um mês antes um relatório do Global Energy Monitor revelou que o uso de carvão pela China tem se expandido para níveis sem precedentes – seis vezes maior do que o resto do mundo combinado – por meio da construção de duas novas usinas de carvão a cada semana.
Apesar do pronunciamento de Guterres, não há nada de novo sob o sol – não importa quão quente ele esteja. Uma rápida olhada em 50 anos de previsões cataclísmicas mostra isso.
É tarde, é o fim
Na década de 1960, previsões de superpopulação e de fome estavam na moda. Apesar da Revolução Verde, que impulsionou o rendimento das colheitas em todo o mundo, Paul Ehrlich, um biólogo de Stanford e profeta do fim dos tempos, pregava o evangelho da fome: “A Revolução Verde...vai virar marrom”.
Em 1968, com a população mundial de 3,5 bilhões (7,9 bilhões em 2023), Ehrlich escreveu o livro Bomba Populacional e lançou uma granada incendiária nas primeiras linhas de seu prólogo: “A batalha para alimentar toda a humanidade acabou. Na década de 1970, centenas de milhões de pessoas morrerão de fome, apesar dos vários programas preventivos que foram adotados agora. É tarde, nada pode impedir um aumento substancial na taxa de mortalidade mundial…”
Elogiado pela imprensa, Erlich reforçou o discurso sobre um “planeta moribundo” e intensificou seus alertas.
Ele escreveu em 10 de agosto de 1969, no New York Times: “Devemos perceber que, a menos que tenhamos muita sorte, todos desapareceremos numa nuvem de vapor azul em 20 anos.”
Abril de 1970, Ehrlich em Mademoiselle: “O crescimento populacional superará inevitável e completamente quaisquer pequenos aumentos na produção de alimentos que fizermos. A taxa de mortalidade aumentará até que pelo menos 100 a 200 milhões de pessoas morram de fome anualmente, durante os próximos dez anos”.
Ehrlich não estava sozinho. No início dos anos 1970, um coro de vozes apoiou suas crenças.
O biólogo de Harvard e vencedor do Prêmio Nobel George Wald, falando na Universidade de Rhode Island, em novembro de 1970: “A civilização terminará dentro de 15 ou 30 anos, a menos que uma ação imediata seja tomada contra os problemas que a humanidade enfrenta.”
Dennis Hayes, principal organizador do Dia da Terra, em The Living Wilderness, primavera de 1970: “Já é tarde demais para evitar o extermínio pela fome.”
Kenneth Watt, ecologista da UC Davis: “Na taxa atual de acúmulo de nitrogênio, é apenas uma questão de tempo até que a luz seja filtrada da atmosfera e nenhum de nossos solos tenha mais alguma utilidade”
Em seguida, vem a Era do Gelo.
Grande frio
Em 1970, quando teóricos do efeito estufa falavam em aumento na temperatura média, muitos profetas anteviram um grande congelamento. Kenneth Watt soou o alarme do gelo, discursando no Swarthmore College, na Pensilvânia: “O mundo está esfriando drasticamente há cerca de vinte anos. Se as tendências atuais continuarem, a temperatura média ficará quatro graus mais baixa em 1990, e onze graus mais fria no ano 2.000. Isso é quase o dobro do que seria necessário para nos colocar em uma era glacial”.
Também em 1970, o Boston Globe publicou uma manchete assustadora: “Cientistas preveem uma nova era do gelo no século XXI”. Na reportagem, o pesquisador James Lodge alertou: “A poluição do ar pode obliterar o sol e causar uma nova era glacial no primeiro terço do próximo século se a população continuar a crescer e os recursos da Terra forem consumidos no ritmo atual…”
The Guardian, 29 de janeiro de 1974, ecoou o Globe: “Satélites espiões mostram que a nova era do gelo está chegando rapidamente.”
A revista Time juntou-se ao alerta de resfriamento em 22 de junho de 1974: “Sinais reveladores estão por toda parte, desde a inesperada persistência e espessura do gelo nas águas ao redor da Islândia até a migração para o sul dos tatus, criaturas que amam o calor do Meio-Oeste. Desde a década de 1940, a temperatura média global caiu cerca de 1,5º C”.
Em 28 de abril de 1975, a Newsweek alertou que o resfriamento global teria um impacto significativo na agricultura. “Há sinais ameaçadores de que os padrões climáticos da Terra começaram a mudar drasticamente e que essas mudanças podem ser o presságio de um drástico declínio na produção de alimentos…”
“O fato é que, após três quartos de século de condições extraordinariamente amenas, o clima da Terra parece estar resfriando”, continuou o artigo da Newsweek. “Os meteorologistas discordam sobre a causa e a extensão da tendência de resfriamento, bem como sobre seu impacto específico nas condições climáticas locais. Mas eles são quase unânimes em avaliar que a tendência reduzirá a produtividade agrícola pelo resto do século. Se a mudança climática for tão profunda quanto alguns pessimistas temem, a fome resultante pode ser catastrófica.”
Após a Newsweek, o New York Times apareceu em 18 de julho de 1976 com projeções sombrias do efeito do resfriamento global sobre a agricultura. “… as notícias para o futuro não são todas boas. O clima vai ficar instável. Vai ficar frio. Colheitas fracassadas e fomes regionais serão mais frequentes. O clima provavelmente fará história — de novo.”
“A relação do clima global com a produção de alimentos é desafiadora: os pesquisadores climáticos estão alarmados com o fato de que nos próximos 10 a 100 anos a humanidade será incapaz de se alimentar – não por falta de tecnologia ou barbeiragem política – mas por causa das mudanças climáticas que mal consegue compreender ou controlar.”
Mesmo em 1978, o resfriamento global era um fato duradouro, de acordo com outro artigo do New York Times: “Uma equipe internacional de especialistas concluiu a partir de oito índices climáticos que não há fim à vista para a tendência de resfriamento dos últimos 30 anos, pelo menos no Hemisfério Norte”.
No entanto, apenas um ano após a matéria sobre o resfriamento global, o New York Times previu uma outra catástrofe pela via do aquecimento global, em reportagem de fevereiro de 1979. “Climatologistas avisam que o Polo Norte pode derreter”, dizia a manchete, seguida por um parágrafo de abertura chocante: “Há uma possibilidade real de que pessoas que hoje estão na infância viverão até o dia em que o gelo no Polo Norte derreterá, uma realidade que causará mudanças rápidas e talvez catastróficas no clima.”
Era o final da década de 1970 e o congelamento tardava em chegar. Que venha então o grande calor.
Grande calor
As preocupações com a chuva ácida que começaram na década de 1980 foram em geral substituídas no final da década por uma enxurrada de manchetes sobre calor, efeito estufa e elevação dos níveis do mar.
Em 1982, Mostafa Tolba, diretor-executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, apontou para a possibilidade de uma devastação generalizada em menos de 20 anos. Ele citou “uma catástrofe ambiental que trará devastação tão completa, tão irreversível quanto qualquer holocausto nuclear”.
Em 30 de junho de 1989, a Associated Press anteviu a dizimação em uma janela apertada de apenas 11 anos, no artigo ameaçador “A elevação do mar pode obliterar as nações”. A abertura do texto era de cair o queixo: “Um alto funcionário do meio ambiente da ONU (Noel Brown) diz que nações inteiras podem ser varridas da face da Terra pelo aumento do nível do mar se a tendência de aquecimento global não for revertida até o ano 2.000”.
Em 1990, ciente de que o apocalipse estava demorando, Mostafa Tolba ainda reforçou: “Venceremos ou perderemos a luta climática nos primeiros anos da década de 1990. Isso dá a dimensão da urgência.”
Em fevereiro de 1993, Thomas Lovejoy, secretário-adjunto para Assuntos Ambientais e Exteriores do Instituto Smithsonian, enfatizou que restava ao mundo uma década de oportunidade para evitar calamidades. “Estou totalmente convencido de que a maioria das grandes lutas ambientais serão vencidas ou perdidas na década de 1990 e no próximo século será tarde demais.”
A década de 1990 testemunhou um desfile constante de certezas apocalípticas, mas a hipérbole mais pesada ainda estava por vir.
Canibais, torradas e caos
Em 2006, o ex-vice-presidente americano Al Gore projetou que, a menos que medidas drásticas fossem implementadas, o planeta atingiria um “ponto sem retorno” em 2016. Seria o fim do jogo.
Rajendra Pachauri, chefe do Painel do Clima da ONU, superou Gore em 2007, insistindo que 2012 seria o ano da irreversibilidade. “Se não houver ação antes de 2012, é tarde demais. O que fizermos nos próximos dois ou três anos determinará nosso futuro. Este é o momento decisivo.”
Em abril de 2008, o magnata da mídia Ted Turner foi mais detalhista ainda do que Gore ou Pachauri, enfatizando as consequências da inação climática. “Não fazer isso será catastrófico. Estaremos oito graus mais quentes, e em 10, 30 ou 40 anos basicamente nenhuma plantação vingará. A maioria das pessoas terá morrido e o resto de nós seremos canibais. A civilização terá desmoronado. As poucas pessoas que restarem viverão em um país falido como a Somália ou o Sudão, e as condições de vida serão intoleráveis. As secas serão tão intensas que não haverá mais cultivo de milho”.
O aclamado padrinho do aquecimento global, James Hansen, traçou uma linha na areia testemunhando perante o Congresso, em junho de 2008, sobre os perigos dos gases de efeito estufa: “Estamos fritos se não seguirmos um caminho muito diferente. Esta é a última chance."
Um ano depois, em julho de 2009, o então príncipe Charles entrou na conversa, afirmando que o planeta tinha 96 meses para evitar a dizimação: “… clima irrecuperável e colapso do ecossistema, e tudo o que vem com ele”.
Apenas três meses depois, o primeiro-ministro do Reino Unido, Gordon Brown, exortou as nações a puxar o freio de mão histórico às vésperas de uma conferência sobre o clima: "Temos agora menos de 50 dias para definir o curso dos próximos 50 anos e além. Se não chegarmos a um acordo neste momento, não tenham dúvidas: o dano do crescimento descontrolado das emissões, uma vez feito, não poderá ser revertido por nenhum acordo global retrospectivo no futuro. A essa altura será irremediavelmente tarde demais."
Em 2014, o ministro das Relações Exteriores da França, Laurent Fabius, aumentou os 50 dias de Brown para 500. “Temos 500 dias para evitar o caos climático”.
Doze anos para 2031. Em janeiro de 2019, a deputada Alexandria Ocasio-Cortez colocou suas fichas em 2031 como o potencial fim dos dias. "A geração do milênio, a geração Z e todas essas pessoas que virão depois de nós estão olhando para cima e se perguntando: 'O mundo vai acabar em 12 anos se não enfrentarmos a mudança climática e seu maior problema é como vamos pagar por isso? Trata-se de uma guerra - esta é a nossa Segunda Guerra Mundial”.
Onze anos para 2030. Ecoando Ocasio-Cortez em março de 2019, mas abreviando um ano, a presidente da Assembleia Geral da ONU, Maria Garces, declarou uma janela de 11 anos para escapar da catástrofe: “Somos a última geração que pode evitar danos irreparáveis ao nosso planeta”.
Em junho de 2019, o então candidato presidencial Joe Biden deu seu apoio à projeção de Ocasio-Cortez: “A ciência nos diz que como agimos ou deixamos de agir nos próximos 12 anos determinará a própria habitabilidade de nosso planeta”.
Volte agora para 2023 e a mais recente “bomba-relógio” da ONU, lançada em 20 de março, conforme descrito pela Associated Press: “A humanidade ainda tem uma chance, talvez a última, de evitar os piores efeitos das mudanças climáticas…”
Em sintonia com as declarações quase anuais da ONU dos últimos 50 anos, o secretário-geral Antonio Guterres mais uma vez soou o alarme: “A bomba-relógio do clima está em contagem regressiva”.
Nisso é que está a beleza das previsões apocalípticas: quando uma falha, faça outra.
Chris Bennet é editor do Farm Journal. Texto reproduzido com autorização. Original em inglês: Doomsday Addiction: Celebrating 50 years of Failed Climate Predictions. Tradução: Marcos Tosi.