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A atual composição do Supremo Tribunal Federal (STF) ora é chamada de garantista, por privilegiar demais supostos direitos dos réus, ora é chamada de punitivista, acusação feita especialmente por criminalistas de grandes bancas de advogados acostumados a defender réus poderosos. Ocorre que ela não é nem uma, nem outra coisa. O tribunal é casuísta, e seus integrantes se movem em intrincados nós políticos, jurídicos, econômicos e sociais. O julgamento na Segunda Turma que determinou que o ex-juiz Sergio Moro teria sido parcial ao julgar o ex-presidente Lula, realizado na última terça-feira, dia 23, é um exemplo concreto disso.
Quando a Lava Jato se concentrava na roubalheira que o PT havia feito à Petrobras, Gilmar Mendes louvava a operação. Era um dos seus principais defensores, na corte e na mídia. Quando a Polícia Federal e os procuradores do Ministério Público Federal (MPF) encostaram em tucanos e demais caciques de Brasília, o ministro se reacomodou no tabuleiro jurídico-político e, ao lado de advogados, analistas políticos, jornalistas e parlamentares de esquerda, virou um ardoroso crítico do que agora chama, jocosamente, de “República de Curitiba”.
No STF, ele tem como parceiro nesta cruzada contra a maior operação anticorrupção já realizada no país o ministro Ricardo Lewandowski. Os dois magistrados formam a linha de frente contra a Lava Jato na Segunda Turma e no plenário do STF. Diferentemente de Moro, esses sim são suspeitos, parciais. O primeiro, por inimizade capital declarada aos procuradores do MPF e à Justiça Federal do Paraná, alvos de constantes e sistemáticos ataques desferidos por Gilmar Mendes; e o segundo, por amizade e proximidade com o réu que o indicou ao Supremo em 2006.
Assistir a um julgamento com essa dupla é uma aula de tudo, menos de Direito - este já foi para as calendas nas mãos desses dois magistrados. Ambos, Gilmar e Lewandowski, são expoentes e artífices de uma prática danosa ao Estado de Direito praticada no STF. Esse expediente consiste em manipular a pauta ao sabor de suas preferências políticas e pessoais, desprezando requisitos como a jurisprudência, o respeito aos precedentes e a relevância e urgência de discussões constitucionais.
Esse modus operandi é tão sórdido que os magistrados retiram de julgamento matérias sensíveis aos seus propósitos quando sentem que serão derrotados. Por outro lado, incluem-nas novamente no momento em que percebem que os ventos mudaram a seu favor. É incrível: quem assiste com cuidado percebe como os juízes correm com as sessões nas turmas ou no plenário quando suas teses estão sobressaindo, ou então esticam as discussões enquanto articulam alguma artimanha jurídica para beneficiar a parte que lhes agrada. Em suma, fazem de tudo, menos prezar pela boa técnica processual.
Os votos, então, são elásticos, pedantes e pomposos, eivados de um formalismo jurídico que facilmente pode esconder motivações nada republicanas. Em julgamentos de grande repercussão e acentuada relevância, os ânimos se acirram. Nas sustentações orais, principalmente quando Gilmar Mendes está com a palavra, cabe de tudo, até ofensas, provocações e intimidações (os fatos, esses ficam de lado). Os magistrados, revestidos de uma áurea de supremos inalcançáveis, utilizam o que for possível para formar uma maioria, sempre em nome de réus companheiros, objetivos escusos ou, então, para criar um precedente que possa favorecer um grupo político ou atingir um inimigo em comum – agora ou em um futuro próximo.
Todo esse modus operandi foi visto nesta terça-feira, quando a Segunda Turma do STF declarou o ex-juiz Sergio Moro parcial para julgar Lula, anulando seus atos contra o ex-presidente na 13.ª Vara Federal, em Curitiba. Na sessão virtual, marcada pela irritação e linguajar de baixo calão de Gilmar Mendes, além de uma reviravolta proporcionada pela ministra Cármen Lúcia, sobrou desfaçatez e faltaram ética e decoro.
Uma atuação regida por esses procedimentos envergonha a imagem da suprema corte. Um tribunal superior deve resguardar a Constituição, as leis e os precedentes, e não manipulá-los de acordo com a ocasião. Quando a cúpula do Judiciário faz política, quem perde é o país. Quando a última instância da Justiça passa uma mensagem de que o crime compensa, um dos pilares da República é abalado: o de que todos são iguais perante a lei. Para recuperar sua credibilidade, abalada pela atuação de alguns integrantes da corte, o STF precisará deixar de ser parcial, seletivo e casuísta. Só dessa forma poderá executar, com decência e respeito, a sua missão de guardião da Constituição.
Douglas Sandri, graduado em Engenharia Elétrica, é assessor parlamentar na Câmara dos Deputados.