A aparente decisão do governo Lula de reativar a Telebrás e o Geipot é a versão burocrática do filme Jurassic Park, em que dinossauros supostamente extintos há milhões de anos renascem para aterrorizar e infernizar a vida das pessoas.

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A Telebrás foi uma empresa importantíssima para o desenvolvimento brasileiro em uma época em que o sistema de telecomunicações era uma piada de mau gosto. Basta lembrar que uma ligação telefônica entre Curitiba e São Paulo nos anos 60 demorava sete, oito horas e os mais prudentes faziam reservas de telefonemas: na véspera, à noite, solicitavam à telefonista que os colocasse na fila para os telefonemas da manhã seguinte. Não, paciente e descrente leitor. Não estou nem brincando nem caducando. Capitais e tecnologias eram extremamente escassos e para se ter um telefone em Curitiba era preciso comprar ações de um Fundo Municipal de Telefones, que – com o dinheiro – financiava a expansão da rede.

Mas isso ficou na poeira dos tempos; hoje em dia se obtém um telefone em 24 horas e a um custo irrisório. Capitais e tecnologias existem em abundância no setor privado no mundo todo. Então, para que fazer renascer o dinossauro que já prestou grandes serviços, mas que não tem mais nenhuma função no mundo contemporâneo?

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O Geipot é outro. Tiranossauro que pensávamos que estava extinto e pelo jeito estava apenas hibernando. Era a sigla do Grupo Executivo de Integração da Política de Transportes criado no início do primeiro governo militar se não me engano, para promover os primeiros estudos científicos a respeito da malha viária brasileira. Para isso, estimulado pelo Banco Mundial, contratou alguns estudos junto a consultoras estrangeiras que tiveram um impacto revolucionário. Termos como "plano diretor de transporte", "estudo de viabilidade" e "projetos finais de engenharia" ingressaram definitivamente no vocabulário dos governantes brasileiros porque sem eles nem o Banco Mundial nem o BID financiariam a construção de estradas.

Com isso, diminuiu muito a utilização do método preferido pelos políticos e administradores brasileiros para decidir sobre a importância e prioridade de uma determinada obra pública que era o método AZ, o método "A Zoio", que aliás continua popularíssimo em vastas áreas da gestão pública até hoje.

Mas isso foi nos anos 60 e 70, há meio século, ou quase. De lá para cá, o setor privado brasileiro desenvolveu uma enorme capacidade de engenharia em todas as áreas e fazer renascer o Geipot "para melhorar a qualidade dos projetos" , como argumentou o ministro Paulo Bernardo, é uma decisão absolutamente equivocada.

Como pano de fundo, o que existe é uma resistência empedernida em aceitar uma verdade simples: a época do Estado executor da infraestrutura econômica acabou. O Estado moderno tem de se aparelhar para outras funções: regular os investimentos privados em serviços públicos para garantir equidade e equilíbrio entre os interesses dos mais fortes e dos mais fracos; sinalizar ao setor privado as prioridades nacionais por intermédio de estímulos para fazer algumas coisas e não fazer outras; garantir que os chamados bens sociais primários, a educação, a saúde de massa, a habitação digna, a segurança contra o esbulho e a violência sejam assegurados a todos os cidadãos. E nesses aspectos, o Estado brasileiro tem tido um desempenho pífio.

Michel Crozier, o sociólogo francês que conhece a fundo a malignidade da burocracia (seu livro mais famoso se chama O Fenômeno Burocrático) diz em seus trabalhos recentes que "Etat Moderne, État Modeste". O Estado moderno é modesto, porque abandona a arrogância do Estado todo-poderoso, o Deus-ex-Machina da sociedade. Então, por que algumas pessoas adorariam ver o Estado brasileiro novamente povoado por centenas de estatais fazendo tudo a pretexto de "desenvolver", "proteger a população", "criar uma indústria nacional"? É o mesmo Crozier que nos fornece a resposta: segundo ele, "a burocracia se distingue por não aprender de seus próprios erros"...

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Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do doutorado em Administração da PUCPR.