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Na oportuna comemoração dos cinqüenta anos do início do governo de Juscelino Kubitschek de Oliveira (JK), caberia recordar e qualificar a profunda mutação estrutural da indústria brasileira, verificada no transcorrer da administração desenvolvimentista posta em prática entre 1956 e 1961, a partir da execução do Plano de Metas. O Plano representou a primeira grande experiência de planejamento da industrialização no país, ausente nos dias de hoje. O processo foi impulsionado pelo Estado e constituiu a etapa decisiva para o avanço quantitativo e qualitativo do aparelho manufatureiro surgido da crise da economia primário-exportadora.

A retórica de JK enfatizava os imperativos políticos de aumento da renda da população e de adoção coordenada de um programa de desenvolvimento, num momento particularmente complicado, caracterizado pela ainda persistente herança nacionalista de Vargas e pelo insuficiente crescimento da renda interna, decorrente da superprodução de café, dos déficits do tesouro, da redução do poder de compra das exportações e do expressivo aumento das pressões sobre o balanço de pagamentos, exercido pelo crescimento da demanda por importações de bens duráveis de consumo.

Operacionalmente, o emprego e a adaptação de novos conceitos e critérios de planejamento permitiram a identificação de cinco setores prioritários (energia, transportes, alimentação, insumos básicos e educação) com suas respectivas metas, totalizando 31 (abrangendo a construção de Brasília). As áreas de alimentação, transporte e energia foram definidas pelos critérios diretos de ponto de estrangulamento ou demanda reprimida, enquanto que a inclusão de insumos básicos e de educação levou em conta a lógica das demandas derivadas e da geração de interdependências.

Os instrumentos macroeconômicos utilizados para a viabilização do Plano estiveram centrados na política cambial – com taxas múltiplas compensando o imposto de importação –, na fixação de tarifas de importação protecionistas e no uso da lei dos similares. O câmbio oscilava conforme a essencialidade dos bens, subsidiando as importações de bens de capital e de insumos básicos, beneficiados pela sobrevalorização do cruzeiro que, inclusive, prejudicava as exportações.

Ressaltem-se ainda os efeitos da necessidade de funcionamento de uma espécie de administração pública paralela, formada por instituições que centralizavam o estoque de competência funcional da República – como o BNDE, o Banco do Brasil (BB), a Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil (Cacex) e a Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc) –, como alternativa rápida à pesada, clientelista e lenta estrutura pública direta disponível. Adicionalmente, houve o acompanhamento da consecução das metas através dos grupos e/ou comissões executivas, como das indústrias automobilística e mecânica pesada, construção naval, máquinas agrícolas e rodoviárias, minério de ferro, armazenagem e material ferroviário, dentre outros.

Na visão de JK, caberia ao setor público a construção da retaguarda financeira e física (infra-estrutura de transportes, energia elétrica e petróleo e fabricação de bens de produção, especialmente aço) necessárias à acumulação do setor privado, inclusive com a adoção de uma política fiscal frouxa, sendo os déficits de caixa do governo cobertos via Banco do Brasil ou emissão de Letras do Tesouro Nacional (LTNs).

A iniciativa privada, por sua vez, exerceria um papel desmembrado e bastante diferenciado conforme a origem do capital. As corporações multinacionais atuariam nos ramos de ponta de bens de consumo duráveis (com maior escala financeira, produtiva e tecnológica). Para tal, utilizariam as vantagens propiciadas pela política cambial, principalmente quanto à liberdade para a remessa de lucros e à importação de equipamentos sem cobertura, à concessão de aval do BNDE e à atuação do Banco do Brasil, assumindo dívidas em dólares e entregando cruzeiros aos depositantes das divisas.

Enquanto isso, as empresas nacionais deveriam atuar nos segmentos mais leves da matriz produtiva, especialmente na fabricação de bens de consumo não duráveis, e operar complementarmente como abastecedoras de insumos e componentes para a ponta, ocupada pelos grupos estrangeiros. No final das contas, a precipitação da espiral inflacionária, e o risco financeiro derivado, e as elevadas escalas de produção exigidas, promoveram o afastamento natural do capital privado nacional das inversões de longa maturação em infra-estrutura e em segmentos de base e dos ramos mais dinâmicos de duráveis de consumo.

Uma rápida observação dos resultados derivados da implementação do Plano de Metas permite constatar incremento médio anual de 8,2% e de 5,1% do Produto Interno Bruto (PIB) e da renda per capita brasileiros, respectivamente, no intervalo 1957/61, contra 5,2% e 2,1% ao ano para as mesmas variáveis na década imediatamente antecedente. Tal expansão foi liderada pelo desempenho dos ramos fabricantes de bens de capital e de bens de consumo duráveis, que cresceram 26,4% e 23,9%, respectivamente, no período 1955/62.

Ao mesmo tempo, a cobertura das metas setoriais foi bastante satisfatória, com destaque para a construção de rodovias (138%), energia elétrica (82%), indústria automobilística (78%), produção de petróleo (76%), cimento (62%) e aço (60%).

O fracasso no cumprimento das metas ficou por conta de ferrovias (32%) e refino de petróleo (26%), especialmente em razão da expressiva massa de recursos requerida para o investimento inicial e o longo período de maturação.

Gilmar Mendes Lourenço é economista e coordenador do Curso de Ciências Econômicas da UniFAE – Centro Universitário – FAE Business School.

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