Ingressei na carreira da Magistratura do estado de Minas em 1989, após árduo concurso público. Além de julgar causas comuns, cíveis e criminais, em mais de três décadas presidi diversas eleições no interior do estado; a eleição municipal de Belo Horizonte, em 2004; e o Tribunal Regional Eleitoral-MG, entre 2019 e 2020. Sou do tempo das eleições com cédulas de papel. Posso assegurar que a adoção das urnas eletrônicas, em 1996, foi um grande marco evolutivo na atuação da nossa Justiça Eleitoral. Nunca tive problemas com a votação eletrônica. Ao contrário, ela propicia segurança e rapidez na captação dos votos.
No entanto, desde as eleições de 2018, significativa parcela da sociedade brasileira passou a desconfiar do sistema eletrônico de votação. E, de fato, percalços se apresentam. Por exemplo, no primeiro turno das eleições municipais de 2020 verificamos dificuldade de muitos eleitores para baixar o app do e-Título; tentativa de ataque hacker ao sistema computacional do Tribunal Superior Eleitoral; e atraso na divulgação dos resultados da apuração de votos, centralizada no TSE.
Nenhum sistema tecnológico é absolutamente infalível. Com prudência e dedicação, a Justiça Eleitoral necessita evoluir paulatinamente no rumo de um processo eleitoral tecnologicamente mais sofisticado e confiável.
Ainda que os desvios éticos de muitos homens públicos justifiquem certo desencanto com a política, é um desserviço o não comparecimento dos eleitores às urnas.
É para tanto é indispensável atentar para o princípio da transparência. Os artigos 10 e 11 do Código de Ética da Magistratura Nacional exigem a publicidade dos atos dos magistrados e o dever de informação. O juiz prudente “é o que busca adotar comportamentos e decisões que sejam o resultado de juízo justificado racionalmente, após haver meditado e valorado os argumentos e contra-argumentos disponíveis, à luz do Direito aplicável”, conforme lembra o código citado.
De resto, pode-se aplicar ao processo eleitoral, por analogia, o princípio da cooperação Modernamente, as atividades do juiz e das partes exigem mútua colaboração e permanente diálogo, visando à enunciação da regra jurídica adequada para a solução do caso. Experimentado pelo tempo de carreira, valorizo cada vez a ideia de imparcialidade: “O magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com objetividade e fundamento, mantendo ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes, e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito” (Código de Ética cit., art. 8º). A neutralidade é muito mais necessária, penso, no exercício da jurisdição eleitoral.
Eleições periódicas são um dos pilares do Estado Democrático de Direito, instituído pela Constituição de 1988. Ainda que os desvios éticos de muitos homens públicos justifiquem certo desencanto com a política, é um desserviço ao desenvolvimento da democracia o não comparecimento dos eleitores às urnas; ou o comparecimento apenas para anular o voto ou votar em branco. Platão defendia a dedicação das pessoas de bem à vida pública. Caso elas se afastem da política, o vácuo será preenchido por pessoas inescrupulosas.
Em 5 de maio passado, um dia após o fim do prazo para o alistamento eleitoral, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) anunciou que, no total, 2,04 milhões de novos eleitores entre 16 e 17 anos registraram-se para votar em 2022. Esse número, ainda parcial, já é 47,2% maior do que a adesão registrada em 2018. O fato foi celebrado pelos segmentos ditos “progressistas” e considerado um resultado direto das campanhas de estímulo ao voto jovem, promovidas, inclusive, pelo próprio TSE.
A democracia exige, em nome da paridade de armas, que o eleitorado adulto também seja alvo de campanhas em favor do comparecimento à votação nas eleições de 2022. Especialmente eleitoras e eleitores com idade igual ou superior a 70 anos, cujo voto, assim como o dos maiores de 16 e menores de 18 anos, é facultativo
A propósito, alertou o experiente jornalista Alexandre Garcia sobre a enorme abstenção do eleitorado em recentes eleições nacionais, no Chile e na Colômbia: “Fica a lição: se você abrir mão do seu poder de votar, não pode se queixar depois se for eleito alguém errado, alguém que vá destruir a sua família e deixar um péssimo futuro para seus filhos, netos e bisnetos”.
A devida imparcialidade da Justiça Eleitoral exige essa contrapartida do estímulo à participação do eleitorado sênior no pleito nacional de outubro próximo.
Rogério Medeiros é doutor em Direito, professor universitário e desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
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