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ARTIGO

Justiça redistributiva e o combate à fome

A palavra "justiça" comporta diferentes significantes e significados que estão ligados às correntes distintas da filosofia política contemporânea. Encontraremos posições teóricas que defendem a meritocracia como a métrica para que se garanta condições justas de competição entre os indivíduos. Os defensores conscientes ou inconscientes – senso comum – argumentarão que as oportunidades são ofertadas a todos de igual forma e que o esforço individual é que se traduz no mérito de se ter alcançado os objetivos nos estudos, no trabalho etc. "Eu consegui pelo meu próprio esforço." "É só ter força de vontade para se alcançar o que se deseja." Ambas as frases usualmente citadas expressam um posicionamento liberal clássico.

Contudo, deparando-se com as mesmas situações relacionadas ao ensino ou ao labor, podemos encontrar um posicionamento que considera que a métrica encontra-se em posições distintas para os indivíduos, pois as condições econômicas, sociais, culturais e políticas são desiguais entre as pessoas. Nessas circunstâncias, as condições para que se atinja uma igualdade de oportunidades precisam de um fator de desequilíbrio entre os indivíduos que já estão em condições desiguais. O argumento do próprio esforço ou da vontade é insuficiente para que se tenha igualdade de oportunidades e se alcance o desejo de estudar ou trabalhar. A desigualdade como elemento orientador de uma política pública, aqui, busca exatamente proporcionar uma igualdade posterior. Esta é a base das políticas públicas afirmativas de cotas sociais no ensino superior, cotas para deficientes nas empresas, cotas para mulheres na política. Aproximar-se desse pensamento significa um alinhamento ao ideal liberal-igualitário, considerando que estamos numa economia de mercado.

Elaborar as políticas públicas sob a influência liberal-igualitária é a materialização de um ideal de justiça que necessita de um segundo elemento: a distribuição de renda. A arrecadação desta pode ser direcionada para garantir a oportunidade de acesso à educação superior para os que têm limitação de renda, ao trabalho para os jovens ou vulneráveis sociais, à previdência para os idosos ou à assistência social para as mulheres no período de gestação.

No entanto, a fome é a condição primeira que deve ser atendida e universalizada para que se garanta a produção e a reprodução da vida e que se pense nas demais ações do cotidiano. Os esforços das três esferas da administração do Brasil – União, estados e municípios – na última década, para garantir que a população se alimente três vezes ao dia, podem ser traduzidos numa política igualitária que representa um ideal de justiça redistributiva.

O relatório das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), que demonstra que o Brasil reduziu em 75% a pobreza extrema no período de 2001 a 2012, deve ser lido e interpretado como uma real ação de transformação da nossa sociedade, que possibilita a criação de iguais oportunidades às pessoas. A fome não é mais tolerada e a sua superação é o primeiro passo para que haja energia para pensar e mudar positivamente o país; não apenas para cumprir as Metas do Milênio estabelecidas pela ONU para o ano que vem, mas para fazer com que a justiça redistributiva seja entendida a partir da sua verdadeira prática para a promoção da ascensão social.

Eduardo Faria Silva, assessor jurídico da presidência do Senge-PR, é coordenador da pós-graduação em Direito à Cidade e Gestão Urbana da Universidade Positivo e Instituto Ambiens.

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