O canal Telecine está exibindo o longa-metragem O jovem Karl Marx (Le Jeune Karl Marx, no título original), uma coprodução alemã, belga e francesa que pretende contar a trajetória do filósofo desde o seu exílio até a “fundação” da Liga Comunista. O longa, lançado em 2017, não é nenhuma obra-prima, mas vale a pena assistir, pois é o retrato de todo bom comunista. Não vou contar o filme, claro, mas apenas destacar algumas passagens reveladoras da personalidade de Marx.
Na primeira delas, Marx se apresenta perante uma espécie de comitê de admissão da então chamada Liga dos Justos. Um dos integrantes da banca, dirigindo-se a Marx, diz que só há dois tipos de homens – o empresário e o trabalhador – e indaga em qual categoria se enquadra. Sem responder diretamente, Marx se apresenta como um estudioso que iria desenvolver o arcabouço teórico necessário para legitimar a revolução do proletariado. Em uma palavra, um intelectual! O intelectual, na descrição de Thomas Sowell na sua obra Intelectuais e Sociedade, é aquele indivíduo que dá ideias, mas que nunca é responsável pelas consequências – via de regra trágicas – dessas ideias. É o sujeito que, na prática, não sabe a diferença entre um prego e um parafuso ou entre um pé de feijão e de arroz, mas tem a firme convicção de que pode ensinar o empresário e o agricultor como eles devem organizar as suas produções. O intelectual sabe quase nada sobre a vida real, mas, dentro da sua bolha acadêmica, acredita piamente que tem uma bagagem teórica que o habilita a prescrever as regras para organizar uma sociedade perfeita. Assim era o jovem Marx: nunca foi um trabalhador de verdade, mas se imaginava como uma espécie de messias, um iluminado que iria revelar o caminho para a salvação dos operários do jugo dos capitalistas.
A propósito, o filme também sugere outro atributo marcante de um comunista: o desapego ao trabalho. Um comunista autêntico foge do trabalho como o diabo da cruz, a exemplo dos líderes sindicais que, uma vez na direção dessas corporações, fazem qualquer negócio para nunca mais voltarem ao chão de fábrica. No caso de Marx, enquanto estava no exílio, dependia financeiramente de Friedrich Engels, um rapaz rico, filho de um industrial, que hoje seria um típico “comunista de iPhone”. Pois esse Marx, que nem emprego fixo tinha e vivia à custa de empréstimos camaradas do seu novo amigo, confidencia para o companheiro que está “cansado de trabalhar”. Isso com menos de 30 anos! Esse diálogo me lembrou um episódio do seriado Chaves, do genial Roberto Bolaños, no qual o Senhor Madruga pergunta ao Chaves se ele parece cansado, ao que Chaves responde com outra pergunta: “cansado de quê, se não faz nada?”. Não fosse um personagem politicamente incorreto, dir-se-ia que o Senhor Madruga é a reencarnação de Marx!
Marx também não teve criatividade para começar o seu movimento revolucionário do zero. Eis aí mais um traço distintivo de uma personalidade comunista: a incapacidade de criar qualquer coisa valiosa para a sociedade. A tal “Liga Comunista”, além de ser um desserviço para a humanidade, não foi exatamente uma criação de Marx, pois, de acordo com o filme, já existia e era um movimento consolidado na Europa. Depois de um tempo tentando se infiltrar nela, Marx finalmente conseguiu fazer parte do movimento e, usando o carisma de Engels, manipulou os seus integrantes para dar um golpe que resultou não apenas na mudança do nome (a Liga dos Justos passou a se chamar Liga Comunista) e do lema da entidade (em vez do fraternal “todos os homens são irmãos”, o lema passou a ser “trabalhadores do mundo, uni-vos”), mas principalmente na radicalização do movimento, que abandonou os meios pacíficos de luta por melhorias para a classe trabalhadora e passou a adotar a violência revolucionária para implantar a utopia lunática do jovem pensador. Ou seja, Marx apenas se apropriou e desnaturou uma organização já existente para realizar os seus planos totalitários. Isso revela o seu caráter despótico e, de quebra, expõe outro vício generalizado entre comunistas: a incoerência. Sim, porque o sujeito que criticava os patrões por se “apropriarem” do trabalho alheio estava, ora vejam, apropriando-se de um movimento da própria classe trabalhadora.
Um “progressista” de carteirinha poderá assistir ao filme e enxergar um Marx totalmente diferente: um jovem visionário, perseguido por suas ideias políticas e que, mesmo exilado, conseguiu articular uma rede de influentes líderes do proletariado em prol de um mundo novo e justo. A mim, pareceu ser apenas um intelectual presunçoso e desocupado que vivia encostado no seu amigo burguês e que mal dava conta das suas próprias responsabilidades (esposa e filhas). Um homem autoritário e com sanha golpista que não criou nenhuma obra verdadeiramente útil para sociedade. Ao contrário, concebeu ilusões que, longe de lançarem as bases de um mundo melhor, conduziram (e ainda conduzem) as sociedades para a escassez, a intolerância, a violência, a arbitrariedade e toda sorte de misérias humanas, apenas substituindo a alegada opressão do capitalismo pela opressão do Estado e do partido. E, como todo intelectual, não foi responsabilizado por nenhuma das mazelas que as suas ideias propagaram mundo afora.
Um detalhe final: o filme ainda dá uma mostrinha da promiscuidade sexual reinante no universo comunista, ao contar que a mulher de Engels, por não ansiar a maternidade, pretendia oferecer a sua própria irmã ao seu esposo para este satisfazer o desejo de procriar. Assistam e façam o seu próprio julgamento!
Leandro G. M. Govinda, especialista em Direito Tributário, ex-procurador da Fazenda Nacional e ex-professor da Universidade do Sul de Santa Catarina e da Escola do Ministério Público, é promotor de Justiça em Santa Catarina.
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