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Kátia Abreu e os latifúndios da miséria

Kátia Abreu, ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, declarou que já não existiriam latifúndios no Brasil. A afirmação, desprovida de quaisquer dados, reflete a visão preconceituosa e totalitária que os ruralistas têm sobre a democratização do acesso à terra.

A Lei 4.504/64 define o latifúndio como imóvel rural que detenha dimensão superior a 600 módulos fiscais ou 600 vezes a área média dos imóveis da região. Ao mesmo tempo, o latifúndio é a propriedade rural com área inferior a 600 módulos, mas subexplorada quanto às possibilidades físicas, econômicas e sociais do meio, servindo à especulação. Logo, para que a ministra pudesse sustentar sua afirmação deveria demonstrar a inexistência de propriedades com essas características. Contudo, os dados sobre a estrutura fundiária a desmentem, deixando evidente que a afirmação é parte de um programa ideológico que se contrapõe às políticas constitucionais de reforma agrária, titulação de territórios quilombolas e demarcação de terras indígenas, entre outras.

Dados gerados pelo Incra em 2014, através do Sistema Nacional de Cadastro Rural, apontam que as grandes propriedades concentram 244 milhões de hectares. São 130 mil grandes imóveis que somam 47,23% de toda a área cadastrada. De outro lado, os 3,75 milhões de pequenas propriedades rurais, de até quatro módulos fiscais, somam apenas 10,2% da área total registrada na autarquia. Ademais, dados do último censo agropecuário do IBGE, publicado em 2009, apontaram que a concentração fundiária aumentou. O índice de Gini passou de 0,857 em 1985 para 0,872 em 2006. Frise-se que, quanto mais perto de zero o índice, menor a concentração fundiária, situação que coloca o Brasil na segunda posição mundial em concentração de terras, atrás do Paraguai.

As políticas de desconcentração fundiária previstas em lei e na Constituição, entre elas a reforma agrária, a criação de unidades de conservação de uso sustentável, a titulação de territórios quilombolas e a demarcação de terras indígenas, são obrigatórias por definição legal. Essa obrigatoriedade é sustentada também pelo fato de que com pouco mais de 10% do total da área agricultável a agricultura familiar produz, segundo o Ministério do Desenvolvimento Agrário, 70% dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros. Ademais, a ONU, através da Relatoria do Direito Humano à Alimentação, afirmou em 2010 que a desconcentração fundiária é essencial para a efetivação dos direitos à alimentação, moradia e trabalho, entre outros direitos humanos.

Esse panorama reforça o entendimento de que a ministra Kátia Abreu volta suas atenções apenas para o seleto grupo de grandes proprietários rurais que receberão mais de R$ 156 bilhões do governo federal no Plano Safra 2014/2015. O plano ideológico do agronegócio centra-se em maximizar grandes lucros para poucos e algumas migalhas a quem trabalha no sistema, ao custo da miséria e da insegurança alimentar de milhares de brasileiros.

O agronegócio age como Quincas Borba, de Machado de Assis. Vencendo o processo eleitoral, quer ficar com todas as batatas. Para os ruralistas, os camponeses, indígenas, quilombolas e povos tradicionais não existem, pois são como bolhas passageiras da fervura, que devem desaparecer com a evaporação de toda a água.

Fernando G. V. Prioste, advogado popular, é coordenador da organização de direitos humanos Terra de Direitos

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