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"Nenhum juiz digno de sua vocação condena alguém por ódio... Condenações são imposições da consciência, da ética, exigência da Justiça, reverência à lei". Nesta república tão cabisbaixa, espezinhada por si mesma e há tanto tempo sem motivos para regozijo, uma declaração tão simples e tão luminosa produziu um raro momento de nobreza e brio.

A despedida do ministro Cezar Peluso, que se aposenta compulsoriamente na próxima segunda-feira, foi togada, no espírito e na forma, e ocorreu em plena arena forense, antes de pronunciar a condenação do deputado João Paulo Cunha. A resposta veio através da saudação do mais famoso dos defensores dos réus, Márcio Thomaz Bastos. Falando em nome dos pares, o ex-ministro da Justiça louvou a integridade e a sabedoria daquele que em teoria e neste caso é seu adversário.

Incapaz de serenidade e esvaziada de autoestima, a sociedade brasileira produziu um raro lampejo de humanidade. E justamente num intervalo da faina de julgar, num breve intervalo dos confrontos retóricos. Atormentada por rancores – antigos e recentes –, encontrou, afinal, o ânimo para um decisivo salto de qualidade e encaixar os códigos morais no Código Penal.

O afastamento de Cezar Peluso – que em novembro será seguido pela jubilação do presidente da suprema corte, Carlos Ayres Britto – traz forçosamente à baila o desperdício de experiência e maturidade produzido pela aposentadoria compulsória dos servidores que completam 70 anos. O Estado é a maior vítima deste cruel sistema de esbanjamentos: prepara os talentos e dispensa-os no auge da sua capacidade, no exato momento em que estão mais habilitados para retribuir com juros o que receberam.

A iniciativa privada, geralmente mais zelosa que o Estado em matéria de capacitação, sabe investir em oportunidades, é mais sensível aos méritos e não abre mão do devido retorno. Não produz estatísticas demográficas, mas serve-se melhor delas; não confunde inovação com juventude, sabe tirar partido da idade e longevidade. Peluso e (em breve) Ayres Britto serão devolvidos ao mercado de trabalho no momento em que seus atributos pessoais somados à experiência acumulada no serviço público os converteram em valiosos paradigmas para o aperfeiçoamento da sociedade.

O escândalo do mensalão teria sido devidamente atalhado e seus efeitos menos devastadores se, em março de 2006 (depois de veiculada a formidável campanha de anúncios estrelada pelo ex-presidente da Câmara dos Deputados João Paulo Cunha e financiada por recursos públicos), seus pares o tivessem julgado com a mesma severidade agora adotada pela suprema corte.

Aldo Rebelo, então presidente da Casa, conseguiu inocentar o antecessor da acusação de quebra de decoro – aliás, inocentou todos os deputados incriminados na CPI do Mensalão, exceto o desafeto pessoal José Dirceu e o inimigo político Roberto Jefferson. O mesmo Aldo Rebelo, hoje ministro dos Esportes, deve presidir dois magnos eventos internacionais que se estenderão até 2016, enquanto Cezar Peluso e Carlos Ayres Britto serão compulsoriamente afastados do serviço público a despeito da admiração com que são rodeados pelos concidadãos.

De qualquer forma, já se pode dizer com uma ponta de orgulho que nem tudo está perdido: temos referências.

Alberto Dines é jornalista.

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