| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

Não, leitor, não se espante com a mais recente pesquisa do Ibope. No Brasil é assim. Ninguém confia em pesquisas eleitorais, mas todo mundo fica esperando por elas e as aprova ou desaprova conforme o resultado expresse ou não o seu desejo.

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A pesquisa reflete nossas idiossincrasias. O país vive uma terrível insegurança? Chama o partido que não gosta da polícia, que defende penas curtas, desencarceramento e bandido na rua. A corrupção levou até as moedinhas? Chama os ladrões. A política ficou tão suja que precisaria de uma faxina geral? Acaba com a Lava Jato, reelege os patifes, expurga os mais sérios, manda Sergio Moro fazer um curso de secagem de dinheiro no exterior.

No Brasil é assim: ninguém confia em pesquisas eleitorais, mas todo mundo fica esperando por elas

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Estou mergulhando na essência da “racionalidade” nacional. Faltam recursos financeiros para o futebol, para o esporte olímpico, para os hospitais? Crie o governo um joguinho e tome dinheiro dos trouxas. Transforma-se o país, então, numa sinecura em que se institucionalizaram as mais criativas maneiras de lucrar com a esperança dos miseráveis. Cometem-se, segundo é dito, alguns milhões de abortos por ano? Encarregue-se o governo de executar a chacina com as luvas esterilizadas da irresponsabilidade pessoal.

O Estatuto da Criança e do Adolescente define como crime “fornecer, vender, ou dar para transportar, ainda que inadvertidamente”, bebida alcoólica a menores? Malgrado a lei, a mais desatenta passagem por qualquer dos points das madrugadas urbanas, frequentados por jovens cada vez mais jovens, evidenciará, no teor alcoólico que emana das calçadas, o descumprimento da legislação. Quem sabe a solução esteja, também, em atribuir ao governo a venda de bebidas alcoólicas às crianças?

É o que pretendem, em número crescente, os defensores da legalização das drogas e de seu comércio. Converteram-se elas em flagelo social? Incumba-se o governo de produzi-las e servi-las em bandeja à farra dos usuários. Afinal, alega-se, a repressão é inútil e só tem servido para enriquecer o submundo do crime. É dito hipócrita quem discorda da hipocrisia da legalização. Se tais motivos fossem válidos, dada a recorrência e todos os riscos envolvidos nos crimes de sequestro, seria de sugerir a esses iluminados legisladores sua regulamentação. Com pagamento de impostos, claro.

Leia também: A corrupção e o voto (editorial de 26 de fevereiro de 2018)

Leia também: O Ministério Público e o combate à corrupção (artigo de Leonir Batisti, publicado em 13 de dezembro de 2017)

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Sou forçado a concluir, diante do ninho de esperanças e desesperanças das pesquisas eleitorais, que é chegada a hora de legalizarmos a corrupção. Segundo os extravagantes critérios morais em vigor, ela alcançou entre nós um nível de tolerância, quando não os aplausos de fã-clube, que tornou rotunda “hipocrisia” combatê-la. Com a legalização, os tributos estabelecidos permitirão que, em vez de perdermos 100%, recuperemos uma boa terça parte do que nos levam. E os mercados dormirão em paz.

São tolices que fazem lembrar Tito Lívio, sobre a Roma de seu tempo: “Chegamos a um ponto em que já não podemos suportar nossos vícios nem os remédios que os poderiam curar”.

Percival Puggina, arquiteto, empresário e escritor, é membro da Academia Rio-Grandense de Letras e autor de “Crônicas contra o totalitarismo” e “Cuba, a tragédia da utopia”.