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Não é recente a discussão sobre ativismo judicial, mas o debate se renova a cada questão delicada que chega ao STF e a cada escolha trágica feita pelos seus ministros. É preciso lembrar, entretanto, que a grita contra a atuação do Judiciário não diminuirá a necessidade de solução de conflitos sociais difíceis e que não há resposta simples às celeumas sazonais das nossas cortes.

Algum grau de ativismo judicial é inevitável. Em um modelo social rígido e formal, a norma guarda certa capacidade reguladora da sociedade – mais pela sua imperatividade do que pela sua efetiva habilidade de traduzir juridicamente os conflitos sociais. A agitação da contemporaneidade, entretanto, impede essa assertividade normativa e o sistema jurídico estará inevitavelmente atrás, sempre, dos problemas que se lhe apresentam. E, como é necessário resolver os conflitos da vida, é inexorável que o Judiciário decida questões não previstas pelo legislador, localizando soluções eventualmente novas para problemas impensados ex ante. Isso é especialmente sensível quando estão em jogo direitos fundamentais e matrizes do sistema constitucional.

Ideal seria não precisar de um Judiciário ativista, mas isso é uma quimera

O ativismo jurídico e a insegurança desencadeada

Uma sociedade que ignora a própria lei para deter-se em tendências difusas só produz um sentimento de extrema insegurança

Leia o artigo de Bruno Dornelles, mestrando em Direito do Estado

Não se ignora que desde Locke, Montesquieu e Kant a separação dos poderes é uma das matrizes do Estado de Direito. Mas vão séculos desde que o conceito foi engendrado, na aurora da modernidade, e é evidente que o atual modelo político é diverso daquele. O aumento da burocracia e do tamanho da máquina pública, além das demandas do debate democrático, implicam um sistema de freios e contrapesos muito mais complexo para dar conta da fluidez dos limites entre os poderes na configuração atual do Estado.

Além disso, o iter legis demanda tempo e maturação que permitam debates e conflitos de ideias, saudáveis aos modelos políticos democráticos. Mas, enquanto o consenso não chega, as questões da vida batem à porta do Judiciário, que precisa resolvê-las em tempo razoável e de forma justa. Mormente quando se trabalha com uma legislação axiologicamente anacrônica em vários pontos (o Código Penal é da década de 40), é absolutamente natural que o Judiciário precise atuar ativamente para corrigir as consequências da falta de atuação do Poder Legislativo.

Particularmente na área penal esses espasmos modernizantes do Judiciário são necessários, sobretudo diante do um Legislativo trôpego como o que existe no Brasil. Obviamente, há limites ao ativismo, pois o Judiciário, tratando-se de um poder reativo, não deve ir além das demandas que lhe são postas. Os limites estritos da causa – ainda que uma decisão possa produzir efeitos importantes por conta da força harmonizadora da jurisprudência – delineiam o alcance do ativismo. Os juízes, portanto, precisam estar conscientes disso e submeter-se, com humildade e responsabilidade, aos contornos do processo para que não arrebentem o próprio sistema de freios e contrapesos inerente ao modelo democrático.

Um Legislativo corporativista, ineficiente, despreparado, lento e débil como o que se tem hoje produz um Judiciário ativista. Ideal seria não precisar dele, mas isso é uma quimera, diante da sociedade atual e, especialmente, do Legislativo que se elegeu. Por isso juízes são necessários – em Berlim ou em Brasília.

Mas que não se esqueça de que, como não há o legislador ideal, tampouco existem juízes absolutamente imparciais, e nem mesmo a escusa da justiça pode servir como instrumento moralizador em um lugar em que se preze a verdadeira liberdade individual.

Rui Carlo Dissenha, membro do Instituto de Filosofia do Direito e Direitos Humanos (IFDDH), é professor do curso de Direito da Universidade Positivo.
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