A publicação da Lei 14.307, de 2022, em meio ao julgamento do rol da ANS, pode ter gerado um vetor contrário aos anseios da opinião pública sobre a lista de procedimentos que os planos de saúde privados terão de cumprir. Inicialmente lançada exaltando ganhos para os consumidores, como a disponibilização da quimioterapia oral para os pacientes em tratamento de câncer e em domicílio, os impactos dessa lei, na verdade, são bem mais abrangentes e, na análise do momento, trazem certo risco aos mais de 48 milhões de clientes dos planos de saúde no Brasil.
O maior dos desafios inclusos nessa lei é o poder conferido à ANS quanto à lista de procedimentos de seu rol para as operadoras de saúde suplementar. O resultado é que dessa forma a agência governamental permite que haja uma restrição de atendimento aos consumidores. Com isso, os advogados terão de aprimorar ainda mais a parte técnica em suas teses, já que, diante de uma lei restritiva como essa, será necessária a utilização da hierarquia de leis para que o direito do consumidor seja assegurado, bem como evocar os princípios gerais do Direito e dos direitos fundamentais.
Inicialmente lançada exaltando ganhos para os consumidores, como a disponibilização da quimioterapia oral para os pacientes em tratamento de câncer e em domicílio, os impactos dessa lei, na verdade, são bem mais abrangentes e, na análise do momento, trazem certo risco aos mais de 48 milhões de clientes dos planos de saúde no Brasil.
A Lei 14.307 atacou principalmente o artigo 10.º da Lei 9.656 (que regulamenta os planos de saúde), que estabelece que os planos de saúde são obrigados a cobrir todas as doenças que estão no Cadastro Internacional de Doenças (CID). Se a pessoa tem uma doença reconhecida internacionalmente por meio do CID, o tratamento deve ter cobertura pelos planos de saúde. Porém, com a lei recentemente promulgada, o parágrafo 4.º diz que “a amplitude das coberturas pela saúde suplementar, inclusive de transplantes e de procedimentos de alta complexidade, será estabelecida em norma editada pela ANS”, o que significa uma carta branca e pode gerar grandes distorções e prejuízos aos consumidores, dependendo das forças que votam as inserções ou exclusões no rol.
Essa lei “sobe o tom” da discussão que já está no Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a taxatividade do rol da ANS, ou seja, uma lista que será seguida pelos planos de saúde de forma rígida e, por consequência, desumana. Caso não seja adotado um rol taxativo flexível, os consumidores irão ficar em posição de total dependência da lista da ANS, que pode incluir ou retirar procedimentos de acordo com seu comitê gestor, independentemente das necessidades específicas dos clientes dos planos de saúde. As peritagens e comprovações de necessidade dos tratamentos serão mais do que nunca demandadas para dar cada vez mais elementos aos juízes.
Caso não seja adotado um rol taxativo flexível, os consumidores irão ficar em posição de total dependência da lista da ANS, que pode incluir ou retirar procedimentos de acordo com seu comitê gestor, independentemente das necessidades específicas dos clientes dos planos de saúde.
Saúde é um direito de todos e dever do Estado, como reza a Constituição Federal, e há uma função social nos planos de saúde para que estejam lá quando os consumidores mais precisarem deles. Porém, do lado dos operadores, há uma expectativa para que a taxatividade do rol seja implementada, seguindo um guia que obviamente até dá mais previsibilidade e segurança jurídica aos planos, mas deixa os consumidores à margem quando o assunto é a utilização de procedimentos mais modernos, em constante evolução, bem como o surgimento de novas doenças. O tratamento para combater novos vírus, por exemplo, poderia não constar de sua cobertura. O leitor consegue imaginar essa possibilidade depois do coronavírus? É preciso que os grupos de interesse que representem os mais de 48 milhões de consumidores estejam atentos a qualquer mudança na lei de planos de saúde. Da simples pessoa física a entidades da sociedade organizada.
Columbano Feijó é advogado especializado em Direito da Saúde.
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