Em 13 de maio de 1888 a princesa Isabel assinava a Lei Áurea, a alforria dos negros escravos. A esperança de uma nova era, sem escravidão e tortura, era revelada por meio do entusiasmo de abolicionistas e negros. Aos poucos, a euforia deu lugar à realidade. Os negros libertos estavam sem emprego. Não tiveram garantidas oportunidades de adquirir terras ou de estudar.
Passaram-se 119 anos. Não nos cansamos de recordar essa parte da história. Queremos ter essa memória viva, não como lamento, mas sim para reafirmar nossos conceitos, nossos valores, nosso espírito de luta. Há feridas que são curadas e outras que deixam cicatrizes para nos lembrar o que não repetir.
É engraçado como um silêncio gritante se fez presente nesses 119 anos. Tem gente que não gosta do assunto, que não quer que falemos que ainda há muita discriminação e preconceito. Sem dúvida nós avançamos, mas algo está errado. A maioria do nosso povo negro permanece morando nas favelas, trabalhando nas casas como domésticos, fora das universidades, do Parlamento, do Executivo e dos primeiros escalões das áreas pública e privada, a não ser com raras exceções. É esse preconceito velado que queremos eliminar.
O silêncio do preconceito choca, dói... e muito. Aos poucos esse silêncio está sendo quebrado por um tímido debate em torno do tema.
Dados do Atlas Racial Brasileiro, divulgados pelo PNUD em 2004, nos mostram que 65% dos pobres e 70% dos indigentes brasileiros são negros. A pesquisa mostra ainda que, apesar de uma queda nos números de mortalidade infantil, as taxas entre os filhos de mulheres negras é 66% acima das registradas entre as brancas.
Outra pesquisa, realizada pelo Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem) e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), intitulada "Retrato das Desigualdades: Gênero e Raça", mostra-nos que cerca de 21% das mulheres negras são empregadas domésticas, sendo apenas 23% com carteira assinada. Entre as não-negras esses números são 12,5% e 30%, respectivamente.
Na área educacional também há disparidade. Em 2003, 16,8% dos negros com mais de 15 anos eram analfabetos, entre os não negros esse percentual era de 7,1. Nas universidades temos apenas 5% de alunos negros. Número muito baixo em um país em que cerca da metade da população é negra.
Em 13 de maio do ano que vem estaremos completando os 120 anos da abolição, uma abolição inconclusa. Queremos o envolvimento do Legislativo, do Judiciário, do Executivo e da sociedade como um todo em torno desse tema. Por isso, apresentei o PLS 225/07, que institui o ano de 2008 como "Ano Nacional dos 120 anos de abolição não conclusa".
O objetivo é conclamar a sociedade para refletir sobre o tema, e colaborar para que os projetos que estão em tramitação no Congresso possam ser aprovados até a data dos 120 anos dessa abolição não concluída. Afinal, há propostas de todas as áreas e justamente aquelas relacionadas à discriminação e ao preconceito não são aprovadas.
Como o projeto que reconhece anistia "post mortem" ao herói negro da Revolta das Chibatas, Almirante João Cândido (PL 7198/02); o PL 73/99 que institui o sistema de cotas; a PEC que institui o Fundo Nacional de Promoção da Igualdade Racial; e o Estatuto da Igualdade Racial que prevê ações em diversas áreas.
Talvez a sociedade que sonhamos, livre de preconceitos e de qualquer tipo de discriminação, seja apenas um sonho, mas já provamos que somos persistentes, sobreviventes. Queremos continuar sonhando, pois, como dizia Raul Seixas: "Sonho que se sonha só, é só um sonho que se sonha só. Mas sonho que se sonha junto, é realidade."
Paulo Paim é senador (PT-RS).