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Na última semana foi aprovado na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 2.720/23, que pretende incluir no ordenamento jurídico a norma conhecida entre os parlamentares como “Lei Dani Cunha”, proposta pela Deputada Federal Danielle Cunha. A iniciativa busca mitigar o que vem sendo chamado de “discriminação contra políticos”, entendida como todo ato ou comportamento que vise restringir o acesso a espaços por parte de pessoas politicamente expostas (PEPs), definidas como todo aquele que ocupe ou tenha ocupado, nos últimos cinco anos, cargos de destaque na administração pública, tais como membros do Poder Executivo Federal e ministros de Estado.
Ademais, os parentes até o segundo grau, cônjuges e enteados também seriam protegidos pela lei, sob o argumento de que estes, por serem próximos e diretamente ligados a pessoa politicamente exposta, poderiam também ser vítimas de discriminações, tais como a negativa de abrir contas bancárias ou receber crédito em bancos.
A identificação e monitoramento de pessoa politicamente exposta é um dos principais recursos para o cumprimento das regras de prevenção à prática de lavagem de capitais.
Todavia, a despeito da nobre justificativa que norteia a apresentação do PL 2.720/23, é necessário que se reflita sobre a considerável exposição do ambiente bancário à prática de lavagem de capitais, o que reforça a atenção sob operações financeiras realizadas por PEPs, levando à adoção de um monitoramento especial de suas movimentações, com o objetivo de prevenir delitos financeiros.
Importante mencionar as constantes recomendações emanadas dos órgãos controladores do sistema financeiro nacional e de inteligência financeira, como o Banco Central e o COAF, no sentido de que a identificação e monitoramento de uma pessoa politicamente exposta é um dos principais recursos para o cumprimento das regras de prevenção à prática de lavagem de capitais e financiamento ao terrorismo.
Sob esta ótica, é razoável dizer que a responsabilidade atribuída aos representantes de instituições financeiras que possuam PEPs na sua carteira de clientes seria capaz de justificar a negativa de concessão de crédito e abertura de contas por parte destas pessoas, o que poderia advir do reconhecimento de que os sistemas internos de compliance não são aptos para a especial vigilância necessária sob as movimentações financeiras que serão realizadas.
Por esta razão, a pretensão do projeto de lei de punir tais instituições financeiras por, aparentemente, “discriminar” uma pessoa politicamente expostas ao negar que ela acesse seus serviços bancários poderia, por via reflexa, aumentar o risco de corrupção, lavagem de dinheiro e demais delitos financeiros ao forçar que o gestor bancário aceite aquele cliente sob pena de reclusão de 2 a 4 anos e multa, conforme Art.7º do PL 2.720/23.
Outrossim, o §6º do Art.2º estende a proteção contra “discriminação” também ao estreito colaborador, como todo aquele que detém uma relação próxima e de conhecimento público com uma pessoa politicamente exposta. É possível dizer, entretanto, que a proteção da lei à tais sujeitos poderia também incentivar a existência de laranjas, na medida em que o uso de terceiros para movimentações financeiros de PEPs seria uma alternativa para driblar o monitoramento especial inerente a estes sujeitos.
Nota-se, portanto, que a norma parece trazer algumas providências que apontam para o descompromisso em mitigar o risco da prática de crimes no sistema bancário e demais instituições financeiras, objetivando incluir no ordenamento brasileiro uma legislação que não enxerga o problema sob um contexto completo da realidade nacional.
Leonardo Tajaribe Jr. é advogado criminalista, especialista em Direito Penal Econômico (COIMBRA/IBCCRIM), pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal (UCAM).