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O procurador-geral da República, Paulo Gonet, ingressou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) perante o Supremo Tribunal Federal (STF) contra a Lei 14.790/2023, a chamada “Lei das Bets”, que regulamenta e permite a exploração do mercado de apostas esportivas no Brasil por meio da modalidade lotérica denominada apostas de quota fixa. A ADI 7749 também postula a inconstitucionalidade da Lei 13.756/2018 e portarias do Ministério da Fazenda sobre o tema.
De acordo com Paulo Gonet, a Lei das Bets permitiria a exploração e a divulgação indiscriminada das apostas esportivas, sem garantir mecanismos de proteção que possam evitar o caráter predatório do mercado e o desrespeito a direitos fundamentais, além de causar problemas à economia nacional. A ação foi proposta em 11 de novembro último.
O procurador-geral mencionou sobre a Lei das Bets que os “efeitos nocivos das apostas e seus impactos socioeconômicos são alarmantes”, de maneira que a economia nacional é afetada diretamente em decorrência do endividamento das famílias, que também está atrelado ao aumento dos empréstimos financeiros para satisfazer o vício em apostas e a perda da totalidade do patrimônio dos indivíduos com tentativas frustradas de conquistar valores monetários neste mercado.
Um dia após o requerimento da PGR, o Senado informou que foi instaurada a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Bets, que objetiva investigar a influência do mercado virtual de apostas esportivas no orçamento das famílias brasileiras. A CPI da Bets também será responsável pela investigação da relação entre as empresas de apostas esportivas e organizações criminosas ligadas a práticas de lavagem de dinheiro, além da utilização de influenciadores digitais na ampla divulgação deste mercado.
A atuação de órgãos fiscalizatórios governamentais é de suma importância para a prevenção dos delitos relacionados ao mercado de esportes
Diante desse cenário, é notória a relevância das discussões acerca das possibilidades e limitações do relacionamento entre os clubes esportivos, as Sociedades Anônimas de Futebol (SAF’s) e as empresas de apostas esportivas, além da urgência na aplicação de práticas de compliance nestas instituições, considerando especialmente a evolução deste mercado no Brasil e a concretização de inúmeras práticas delitivas utilizando-se da figura das pessoas jurídicas.
Seja na legislação que regulamenta o mercado de apostas esportivas, Lei das Bets, ou na Lei 14.193/2021, que instituiu a Sociedade Anônima de Futebol, existem disposições sobre mecanismos e procedimentos para a aplicação de programas e procedimentos de governança, integridade e conformidade nas organizações empresariais.
A relevância destes programas é indiscutível, sobretudo ao se analisar as movimentações na Justiça Desportiva relacionadas ao julgamento de práticas de manipulação de resultados no futebol, com a condenação de jogadores a multas e suspensões, e a deflagração de operações policiais, como a “Operação Penalidade Máxima” e a “Operação Jogo Limpo”.
Mídias públicas indicam problemas de corrupção global no mercado esportivo, com suspeitas de manipulação por jogadores de futebol em campeonatos no exterior. Recentemente, notícias divulgaram amplamente casos com suspeitas de manipulação esportiva em âmbito internacional, destacando diversas irregularidades neste mercado. Como exemplo, mencionaram a investigação de Lucas Paquetá por manipulações em jogos da Premier League, liga inglesa, ou a suspensão de Kynan Isaac por dez anos, após apostar que receberia um cartão amarelo em um jogo da sétima divisão inglesa em 2021.
Já em novembro de 2024, o empresário do mercado esportivo Willian Rogatto foi preso pela Interpol em decorrência de investigações sobre a manipulação de apostas em campeonatos do futebol nacional. Segundo a mídia brasileira, o depoimento do empresário teria levantado suspeitas sobre uma cadeia internacional de corrupção no esporte. Pesam sobre este personagem suspeitas de ter atuado em diversos países, por meio de intermediações de fraudes entre federações e agentes públicos, além de manipulações de inúmeras variáveis em campeonatos nacionais e estrangeiros.
Esses cenários demonstram a existência de dificuldades globais relacionadas ao mercado de apostas esportivas, indicando que as relações entre as três instituições supramencionadas – clubes, SAF’s e empresas de apostas – podem ser usadas como um facilitador da concretização de delitos econômicos por intermédio de fraudes e manipulações. Portanto, é preciso que a limitação desta articulação seja trabalhada para garantir a transparência, integridade e a ética em todas as suas operações.
Nesta empreitada, a atuação de órgãos fiscalizatórios governamentais é de suma importância para a prevenção dos delitos relacionados ao mercado de esportes. A análise de movimentações e operações financeiras pela Secretaria da Receita Federal, a proibição de atuação concomitante em instituições do mesmo ramo de atividade por meio de normas específicas, e a necessidade periódica de prestação de informações aos órgãos regulatórios podem ser medidas passíveis de implementação.
No âmbito das atividades dos clubes de futebol e SAF’s, em que pese a possibilidade de atuação irregular por parte de atletas, que podem ser corrompidos em decorrência dos altos valores monetários relacionados a operações ilegais e fraudulentas, a fiscalização interna por meio de auditorias, a análise do cumprimento de metas de desempenho e a aplicação de severas sanções contratuais aos infratores são formas de mitigar os riscos.
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Em relação aos dirigentes, a exigência de decisões descentralizadas na alta cúpula das instituições quanto ao direcionamento de seus negócios e operações financeiras, além da aplicação de sanções econômicas e penalidades administrativas, pode se apresentar como uma medida de prevenção de ilícitos, inclusive considerando a possibilidade de responsabilização penal destes indivíduos em decorrência do descumprimento dos deveres inerentes à gestão íntegra e pela omissão na atuação regular de gerência das pessoas jurídicas.
Os programas e procedimentos internos de compliance se apresentam como grandes aliados das instituições atuantes no cenário esportivo internacional e a sua implementação é uma obrigatoriedade legislativa imposta a todas as organizações que buscam a sua manutenção na economia global e evolução no mercado, bem como sua efetiva regularização e autorização de funcionamento, como no caso das empresas de apostas esportivas.
O cenário atual no Brasil, que ainda está nos passos iniciais do caminho para a regulamentação do tema com a Lei das Bets, mostra como o compliance interno não se apresenta somente como a elaboração de medidas de prevenção ou mitigação de riscos trazidos pelas irregularidades neste mercado, mas também como requisito intrínseco ao deferimento da autorização de funcionamento das organizações e ao crescimento econômico e reputacional dos clubes, SAF’s e empresas de apostas, reduzindo as práticas ilícitas e eventuais consequências destes atos no âmbito esportivo.
Tomás Barreto é advogado da área de compliance no GVM Advogados.