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A chamada Lei das Estatais representa certamente um avanço ao definir critérios mais rígidos no que concerne à governança das empresas públicas. É algo que deveríamos ter implementado há tempos. A questão que se coloca aqui é a aplicabilidade e a plena observância da lei, bem como a efetiva penalidade que deva ser imputada em caso de desvios.

Verdade é que, infelizmente, várias outras leis que aqui existem, no âmbito do setor público, acabam não sendo observadas. Para citar exemplos recentes, temos aí a Lei de Diretrizes Orçamentárias, a Lei de Responsabilidade Fiscal e a recente Lei Anticorrupção. São inconcebíveis os números que reportam déficits enormes, em todos os níveis da administração pública: União, estados, municípios, estatais, fundos de pensão, bancos públicos, e por aí afora.

Como propósito, a nova lei está alinhada ao padrão internacional de boas práticas de governança e gestão. Já no campo prático, há fundadas dúvidas. Não podemos esquecer que, igualmente, outros poderes e organismos da República devem também se fortalecer, regrar-se e seguir as melhores práticas de governança e gestão. Aqui falamos dos Tribunais de Contas e do Judiciário em suas diversas instâncias, ambientes hoje politizados, complexos, lentos e burocráticos. Cite-se ainda o Executivo e o Legislativo, e o alto jogo de interesses privados que se sobrepõem aos interesses coletivos da sociedade e da nação.

Em outras palavras, não basta legislar; há de haver fiscalização, julgamento justo e rápido e penalização.

Não basta legislar; há de haver fiscalização, julgamento justo e rápido e penalização

Relativamente amplo, o novo regramento inclui, além dos critérios de governança (notadamente, nomeação de conselheiros e diretores para empresas estatais), novas diretrizes em relação ao papel da auditoria, do Conselho Fiscal, da exigência de licitação e contratos, das normas para investimento e alienação de bens, da alteração de contratos previamente firmados e sanções administrativas.

Não podemos desconsiderar, entretanto, que mesmo diante desses critérios o nosso mundo das estatais ainda é, e muito provavelmente continuará sendo, um mundo político. O risco subsiste na possibilidade de nomeações por interesses, ainda que dentro de parâmetros mais rígidos. Desnecessário é dizer que não há corruptos sem que haja corruptores. Por isso a lei tem de ser igual e aplicável para todos, funcionários e autoridades públicas e privadas. E começam aqui os nossos graves problemas: nossas leis não são as mesmas para todos, elas não atingem por igual os corruptos e corruptores.

A estabilidade prevista em lei para o funcionário público e o foro privilegiado para os políticos com mandato têm de ser revistos, bem como os critérios de indicação e nomeação de comissionados, em que competência, experiência e habilidades são totalmente ignorados. E nesta mesma linha, há de ser revisto todo o modelo de licitação e posteriores aditivos. Precisamos de pré-projetos mais sólidos, qualificar os chamados regimes de urgência, rever a lei de concessões e por aí afora.

A lista de propostas de melhoria é extensa e ainda contempla a revisão do papel dos Tribunais de Contas e a forma de nomeação de seus componentes. Ainda, há de ser revisto o conjunto de condições para concessão de emendas parlamentares, hoje um grande balcão de negócios. Falamos de reforma política e de uma efetiva reforma administrativa do Estado. Ideal seria um Estado menor, mais afeto aos problemas essenciais, deixando para a iniciativa privada toda a cadeia de produção e serviços. Um país da nossa dimensão, com seus problemas básicos na saúde, segurança e educação, não pode se dar ao luxo de ter o tamanho do Estado que temos.

De modo geral, o Estado e seus líderes, em todas as instâncias, em nada têm se preocupado com riscos e compliance. Quiçá a Lava Jato comece a mudar este cenário. Vejamos o exemplo da Petrobras, que apenas mediante as denúncias da operação criou uma diretoria de compliance. Já no âmbito da iniciativa privada, o tema tem sido mais recorrente e em ampla vantagem quando comparado ao setor público, mas novamente mais influenciado pelos acontecimentos lá fora – principalmente após as crises da economia norte-americana – que por nossa iniciativa. Hoje são muitas as empresas que contam com Comitês de Risco e Compliance apoiando Conselhos de Administração no exercício de suas atribuições. Quando não, temos também visto um forte movimento de criação de áreas de controles internos, e organizações não necessariamente listadas em Bolsa vêm adotando a prática de contratação de auditorias externas e a implantação de um novo fórum em suas estruturas organizacionais por meio de Conselhos de Administração ou Conselhos Consultivos.

De qualquer forma, quanto mais a boa governança se estabeleça no setor público, melhor para todos. O Estado e suas estatais bem regidos por conselhos presentes e atuantes, preocupados com eficiência, resultados, ética e com o dia de amanhã, trarão impactos na iniciativa privada, até pela natural relação entre os setores público e privado, seja na condição de fornecedor e cliente ou pela regulação.

Gino Oyamada é diretor da 3G Consultoria – Governança, Gestão e Gente.
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