O Brasil, desde a Constituição de 1891, adota a república como forma de governo. A atual Constituição segue esta tradição e nomina a república como princípio fundamental. É certo, todavia, como lembram Zagrebelsky e Dworkin, que a positivação de um conceito constitucional não expressa necessariamente a eleição de uma determinada concepção de seu conteúdo. A Constituição, por exemplo, recepciona os princípios da igualdade e da dignidade humana sem contudo explicitar qual concepção desses princípios está a optar. Tal sucede com a república. Embora sejam muitas as leituras admitidas sobre seu conteúdo, há pontos convergentes. Um deles é o de que, numa república, o Estado é laico. Isso traz implicações. O poder não decorre e nem se legitima na vontade divina; o Estado não pode favorecer ou discriminar os cidadãos em virtude de crença religiosa; o Estado não possui religião oficial; as decisões e políticas públicas devem ser tomadas com base em critérios racionais em vista da vontade democrática do povo e não com base em invocações metafísicas. Nesta linha, portanto, parece certo que criação de feriados religiosos representa direta afronta à república em sua dimensão laica.
Um dos traços marcantes da sociedade brasileira é o pluralismo. No sítio religioso a tolerância e o reconhecimento da liberdade religiosa têm possibilitado a convivência pacífica entre diversos credos. O pluralismo religioso integra nossa identidade social. A instituição de feriados religiosos, neste contexto, além de afronta ao princípio republicano, pode também representar agressão a um tratamento igualitário que Estado deve dispensar a todas as religiões e cidadãos. Ao privilegiar certas datas religiosas de um credo específico em detrimento de datas de outros, estará o Estado conferindo um tratamento incompatível com o pluralismo e a igualdade.
Tais considerações, porém, não levam necessariamente à afirmação de que o princípio republicano seja um valor absoluto e todos os feriados religiosos sejam ilegítimos.
Por se tratar de um princípio cujo conteúdo não vem definido "a priori" na Constituição, a república admite concretizações que podem se expressar pela via legislativa. Pode o legislador, sob legitimação democrática, delimitar e até mesmo limitar a concepção que a sociedade tem relativamente ao republicanismo. Considere-se que a república não é o único princípio fundamental de nosso sistema jurídico e nem está isolado. Ele dialoga com outros valores perante os quais pode encontrar limites. Aqui é de se considerar que a Constituição, se é certo que recepciona a república, também se preocupa em tutelar a cultura e a tradição dos grupos participantes do processo civilizatório nacional, autorizando, inclusive, que lei possa fixar datas comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos da sociedade.
Neste sentido, não seria de todo criticável o reconhecimento de legitimidade a alguns feriados religiosos, dentre os quais o Natal, por questão de tradição. Mas a referida autorização, se por um lado relativiza certas dimensões da república, não se afirma também de forma absoluta. O legislador, neste âmbito, é chamado a exercer atividade de ponderação entre valores, que há de ser orientada por critérios de razoabilidade. Logo, nem a opção republicana é suficiente para impedir, de forma insuperável, a instituição de feriados religiosos, e nem a invocação à proteção da cultura é suficiente para legitimar a instituição de quaisquer feriados.
Por se tratar de princípio estruturante, não seria pernicioso estabelecer-se uma preferência na aplicação de postulados universalmente aceitos em relação a idéia central de república, presumindo-se a inconstitucionalidade de leis instituidoras de novos feriados religiosos. Nos Estados Unidos, as leis restritivas de alguns campos de liberdade são presumidas inconstitucionais e a instituição de feriados religiosos pode afetar a liberdade de iniciativa, a proteção de certas dimensões do direito ao trabalho e a liberdade de crença. Todavia, nem por isso a Constituição deve restar imune ao campo da tradição, que é igualmente protegida pela ordem jurídica.
Deste modo, crê-se que os atuais feriados religiosos contemplados na legislação brasileira parecem atender aos critérios de proporcionalidade e respeito às tradições. O grande problema está nas tentativas de implantação de novos feriados religiosos que, inequivocamente, não passam pelos filtros autorizadores de restrição ao princípio republicano, pois, em regra, não se caracterizam como tradicionais.
Paulo Ricardo Schier é professor do Mestrado em Direito da Unibrasil e doutor pela UFPR.