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Lei Mariana Ferrer: evolução ou mais do mesmo?

A Lei Mariana Ferrer trouxe modificações no Código de Processo Penal (CPP), no Código Penal (CP) e na Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais (9.099/1995). (Foto: Pixabay)

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A “Lei Mariana Ferrer” (14.245/021) é mais uma entre tantas outras que nascem batizadas por algum caso midiático. Via de regra essas leis são escritas, votadas e promulgadas “a toque de caixa” a fim de atingir o anseio popular. Observa-se que sim, as leis são atualizadas com base em fatos sociais, mas o casuísmo é sempre problemático. Isso porque, por diversas vezes, surgem leis sem boa construção jurídica, o que ocasiona inflação de um sistema jurídico.

A Lei 14.245 trouxe modificações no Código de Processo Penal (CPP), no Código Penal (CP) e na Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais (9.099/1995). Processualmente, a lei visa proteger vítima e testemunha de sofrerem atos atentatórios à dignidade. No âmbito penal, cria causa especial de aumento no crime de coação no curso do processo, previsto no artigo 344, do CP, quando for crime contra a dignidade sexual. No aspecto processual, a lei determina que cabe a todas as partes envolvidas o zelo pela integridade física e psicológica (dignidade) da vítima. Ademais, confere vedação expressa ao uso “de linguagem, de informações ou de material que ofendam a dignidade da vítima ou de testemunhas”.

O que é ofensivo? Sinceramente, cabe a cada parte dizer, pois é um conceito idiossincrásico, o que pode causar diversas intervenções por parte de um juiz naturalmente impedido de ter neutralidade axiológica. Ou seja, no que diz respeito a isso, a lei complica mais do que ajuda.

Por outro lado, ainda no tema processual, a lei se limitou da falar mais do mesmo. Afinal, um dos princípios gerais do Direito é o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, também previsto na Constituição Federal. Por sinal, o dever de urbanidade está previsto na Lei Orgânica da Magistratura Nacional, na Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, no Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), no Código de Processo Civil e, complementarmente, no Código de Processo Penal. Repete-se, a “Lei Mariana Ferrer” diz mais do mesmo.

Já no que diz respeito à matéria penal, não há como comemorar novas condutas típicas ou causas especiais de aumento de penas. Afinal, aumenta a taxa de encarceramento em um sistema carcerário que, ao contrário do que dizem, não é falido, pois nunca existiu e, salvo raríssimas exceções, não ressocializa. A expansão do uso do Direito Penal traz a sensação de insegurança e, consequentemente, medo. Assim, a sociedade responde à cultura punitiva, o Estado faz uso do simbolismo penal, em um país de modernidade tardia, e retoma poder e controle social.

Por fim, esclarece-se que a função do Direito Penal é limitar o poder punitivo do Estado; então, estamos na contramão da evolução jurídica ao expandir punições. Questiono-me: onde está o Princípio da Intervenção Mínima penal e, consequentemente, o da Ultima Ratio? Não obtenho resposta diversa de “apenas no papel e ideal doutrinário”.

Kaique Yohan Kondraski Servo é graduado em Direito, pós-graduando em Direito Penal Econômico Aplicado: Teoria e Prática e atua com Direito Criminal, execução de pena e Direito Militar.

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