Um parâmetro importante para analisar a relevância dada pela administração pública à educação é medir o seu esforço em cumprir as previsões constitucionais e legais de investimentos e resultados em determinadas áreas ou, ao contrário, a adoção de subterfúgios para se afastar dos seus deveres. Uma das formas de fazer essa investigação é através do orçamento público que, no entanto, é uma peça bem complexa; na maioria das vezes isso acaba atrapalhando não só o seu estudo, mas também o debate da sociedade. Outro modo é verificar como o governo noticia os dados públicos e cruza essas informações com outros objetivos, como é o caso do recém-publicado Censo Escolar (INEP) e sua relação com Plano Nacional de Educação (PNE), cujo prazo de execução se encerra esse ano. As conclusões são inquietantes.
Regra geral, a Constituição prevê que a União aplicará 18% e os estados e os municípios 25% da receita de seus impostos e das transferências obrigatórias de recursos entre si em educação. Coincidentemente ou não, o poder público passou a criar outros tributos que não estavam qualificados como impostos e, portanto, não compunham a base cálculo de aplicação de recursos obrigatórios; o aumento dos novos tipos de “contribuições sociais” é um exemplo do que se está a falar. Em paralelo, ainda em 1994, foi publicada uma emenda constitucional que criou a Desvinculação da Receita da União (DRU), mecanismo que permitiu a desvinculação de parte das receitas de impostos e contribuições sociais pela União, o que reduziu a quantidade de dinheiro voltada ao ensino público.
Contraintuitivamente, nesse mesmo período surgiram novos dispositivos constitucionais que criaram o Plano Nacional de Educação (arts. 212, §3º e 214), inclusive determinando que os recursos públicos serão aplicados prioritariamente no ensino obrigatório, com ênfase na universalização, na criação de padrões de qualidade e erradicação do analfabetismo, sempre tendo o PNE como elemento central. Entre as 20 metas do PNE em vigor, aquela referente à oferta de educação em tempo integral (Meta 6), em no mínimo, 50% das escolas públicas não foi atendida. Segundo o Censo Escolar 2023, houve avanços, mas tendo em conta os cinco estados melhor posicionados no ranking nacional, apenas os dois primeiros cumprem essa proporcionalidade: 66,8% em Pernambuco, 55% na Paraíba, 49,1% no Ceará, 45,4% no Piauí e 33,3% em Sergipe. A Meta 20, que impõe a ampliação do investimento público em educação, chegando a 7% do Produto Interno Bruto (PIB) no quinto ano de vigência do plano (2019) e 10% no último ano (2024), não foi nem de perto respeitada. O portal do TCU identifica que em 2022 a União empenhou R$128 bilhões para educação; no total de tudo foi aplicado em educação, tanto em 2015 quanto em 2020, tão somente 5,1% do PIB.
Com isso, não se está a dizer que não haja nada a se comemorar, pois, tomando o Censo Escolar como parâmetro, a educação escolar alcançou aproximadamente um milhão de matrículas em regiões indígenas, em comunidades remanescentes de quilombolas e assentamentos; pouco mais de quatro milhões e cem mil matrículas em creches, ainda com demandas reprimidas em muitos municípios. A questão de fundo é a contradição do comportamento político, principalmente dos Poderes Legislativo e Executivo, que, ao mesmo tempo que impõem projetos audaciosos, usam medidas evasivas para subfinanciar a área. O Senado identificou que entre 2019 e 2021 a União não ultrapassou o nível de 80% de execução do orçamento da educação: União, estados e municípios despenderam R$ 409,1 bilhões para educação em 2015 e em 2020, ao contrário do que se pode esperar, o investimento foi menor, R$ 404,1 bilhões.
É por isso que já identificamos no Congresso parlamentares pensando na criação da “Lei de Responsabilidade Educacional” (LRE), com a intenção de tornar os investimentos e a gestão dessa área vinculadas numa efetiva política de Estado que não será fragilizada pela vontade de governos, não importa se de centro, direita ou de esquerda. Essa é uma ideia que pode soar um pouco estranha no início, mas quando se faz a comparação com a “Lei de Responsabilidade Fiscal” (LRF) há uma racionalidade muito evidente na proposta. Se a LRF pretendia garantir a solvência do país com controle dos endividamentos e gastos públicos com vistas a atrair investimentos nacionais e internacionais, não importando quem fosse o presidente, a LRE servirá para garantir à sociedade que se o dinheiro e a execução orçamentária estiveram aquém das determinações constitucionais haverá punições, até que aquilo que foi proposto seja cumprido. Funciona no plano fiscal e tem tudo para ser efetivo no âmbito educacional.
Dyogo Patriota é assessor jurídico da Associação Brasileira das Instituições Comunitárias de Educação Superior (ABRUC).