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Opinião do dia 2

Leis não mudam atitudes

Cada vez mais a insegurança pública estimula discursos, como o recrudescimento da legislação, a fim de aplacar a ira de um povo que não suporta mais ser vítima de seus próprios componentes quando marginalizados.

Em 2000, com o advento dos 10 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), acendeu-se a polêmica sobre a redução da menoridade penal, o que ganhou destaque quando do homicídio dos adolescentes Liana Friedenbach e Felipe Silva Caffé, praticado em Umbu-Guaçu (SP), em novembro de 2003, por Champinha, e o caso do menino João Hélio Fernandes, arrastado até a morte por fora de um carro em movimento em Cascadura, subúrbio do Rio de Janeiro, em 2007.

Com a justificativa de que a medida é adotada em países desenvolvidos, ou a de que crianças e adolescentes são usados pelo crime organizado em virtude de sua inimputabilidade e que os adolescentes "sabem o que fazem", o Congresso Nacional discute a alteração do texto constitucional, visando à diminuição da idade de responsabilização criminal.

Se o crime organizado utiliza os menores de 18 anos para a prática de crimes, com a diminuição da idade da responsabilidade penal, serão recrutados adolescentes mais jovens. O retorno ao critério biopsicológico (segundo o qual, o adolescente responderia por seus atos se verificada a capacidade de entendimento e de determinação) acarretaria inúmeros transtornos (além de configurar retrocesso à legislação de 1926), pois a capacidade de distinguir "certo" e "errado" é encontrada até mesmo em crianças de tenra idade.

O voto compulsório aos 18 anos não é obrigatório porque o jovem sabe votar, o alistamento militar não é obrigatório porque o jovem sabe combater e a aposentadoria compulsória tampouco existe porque a partir de 70 anos é perdida a capacidade de entendimento. O sistema universal não é o do discernimento, a aquisição de direitos na forma da lei não depende do conhecimento, mas de determinação expressa em lei.

Não se deve esquecer que, muito embora o adolescente possa votar aos 16 anos, ele não pode ser votado, tampouco pode exercer cargos públicos de qualquer natureza, de acordo com expressa previsão constitucional.

O problema é técnico. Versa o artigo 60, §4º, IV da Constituição que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais, pelo que não é possível a apreciação das propostas de emendas constitucionais para redução da idade sem antes convocar novo poder constituinte originário.

É preciso ter em mente que legislação não muda comportamentos. O discurso punitivo e o recrudescimento da legislação, especialmente no que concerne ao ECA, são medidas que mesmo a longo prazo não resolvem (como se quer fazer crer) o problema da criminalidade, pois a matriz dessa criminalidade está na crescente marginalização, na ausência de políticas públicas e na falta de comprometimento social.

As condições sociais adversas (inserção no mercado informal de trabalho a fim de auxiliar nas despesas domésticas; baixa escolaridade; estrutura social inadequada) e a posição social desfavorecida do adolescente são decisivas para a sua inserção na criminalidade. Não se argumenta que todo adolescente que nasce ou vive na miséria inevitavelmente se tornará um "bandido", mas que as desigualdades sociais e econômicas acabam por legitimar uma ordem social injusta, causadora de exclusão e criminalidade.

A equivocada sugestão de redução da idade de responsabilidade penal além de ser social e constitucionalmente inviável, não condiz com os tratados e pactos assinados e ratificados pelo Brasil, colocando-o na contramão da tendência dos países civilizados. Neste contexto, a redução da idade adquire contornos de medida paliativa, que posteriormente poderá causar mal ainda maior: colocação de jovens imaturos, sugestionáveis e com personalidade ainda não formada com adultos encarcerados no falido sistema penitenciário.

Renata Ceschin Melfi de Macedo é professora do curso de Direito da PUCPR

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