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O lançamento do iPad, o mais recente queridinho da tecnologia digital, provocou na imprensa uma avalanche de informações e opiniões a respeito da morte do livro e do nascimento de uma era de objetos legíveis, promovendo a constituição de uma nova geração de leitores. Dão-se por findas as páginas impressas no velho volume – herdeiro dos códices medievais – e enterra-se (sem homenagens) o leitor viciado em papel.

Santa, repetitiva e pretensiosa presunção!

Enquanto as recém-chegadas multidões agitam no ar seus tablets e enviam mensagens sobre a vitória do livro na tela, os leitores que vivem do odor do papel e do volume com peso e linearidade espalham aos ventos e ao velho sol que bom mesmo é o imorredouro livro, com capa, cola e calor comunicativo. Enquanto essas batalhas sem vencedor se sucedem, as crianças aprendem a ler no papel, comandam jogos e celulares, usam óculos 3D, palestram sobre avatares e disputam fones de ouvido e câmeras.

Os adultos sofregamente procuram antecipar e prever o futuro do livro enquanto a novíssima geração demonstra sua indiferença diante do tema da morte do livro, aberta à pluralidade e ao convívio pacífico das linguagens e suportes.

Exposições orais e escritas sobre leitura e formação do leitor ensaiam tentativas de desenhar os limites dessa disputa e discussão. Em vão. Novos produtos arrombam conceitos, definições, estratégias.

Na realidade, professores e alunos aprendem em diferentes suportes; pelo avesso, alunos e professores experimentam o fútil, o fácil e o feito em vários suportes. Alfabetizar ganha o reforço das imagens em movimento, a leitura e escrita autônomas se exercem em diferentes tecnologias. Os tempos de aprendizagem encurtam, o tempo de reflexão se torna esgarçado. Mas o tempo de repetição se torna quase exclusivo. O mesmo remédio que cura adoece o usuário. A proliferação e facilidade dos acessos esbarram nas imutáveis 24 horas do dia. O tempo de vida é infinitamente inferior ao apelo de consumo de produtos culturais. De possível senhor da criação tecnológica – livros inclusive –, o homem-leitor se torna escravo de uma produção que supera sua capacidade de acesso.

A rapidez, portabilidade e geração quase infinita de textos e informações aceleram as atividades de leitura e as diversificam. A Biblioteca de Babel, de Jorge Luís Borges, em seus hexágonos infinitos, transformou-se em retângulo, sem perder sua capacidade de intrigar e confundir.

Assim como a guitarra tentou em vão substituir o violão, os textos configurados em atraentes e novos suportes não poderão substituir o livro de papel, porque cada um deles estará adequado a uma música que lhe é própria. Bom mesmo é o leitor experiente tirar vantagem de um texto, não importa o suporte em que esteja reproduzido.

Formadores de leitores, agentes de leitura e mediadores se constituirão em fator de sucesso – ou não – por conta de um trabalho inclusivo. Ao se mostrarem refratários ou resistentes, o novo texto que se anuncia os derrotará. A compreensão de quanto se pode aprender e usufruir das novas tecnologias, que dão sustentação à leitura, abre caminhos e amplia horizontes.

Uma profissão de fé futurista proclama: serei um leitor fiel ao livro, fiel ao computador, fiel às imagens em todos os Ds (do 1 ao infinito), fiel aos meios digitais quadrados, retangulares, redondos, oblongos, hexagonais. Fiel até o aparecimento da próxima novidade tecnológica...

Enfim, é à leitura que serei sempre fiel, venha o texto como vier.

Marta Morais da Costa, doutora em Literatura Brasileira, é diretora do centro pedagógico da Aymará Edições e Tecnologia

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