Este tema é tão amplo que é praticamente inesgotável. Suas ramificações são, digamos, imensuráveis.
Como todo iniciante sério de escrita de ficção, os autores de literatura séria respeitam demais o leitor e, por isso, ficam adiando, por vezes indefinidamente, a publicação dos seus originais. João Guimarães Rosa, por exemplo, levou oito anos para editar os contos de Sagarana. Foi preciso a intervenção do amigo João Condé para que os originais chegassem às mãos do editor José Olympio. Assim, o criador de Grande Sertão: Veredas pôde iniciar-se na literatura de ficção, que o imortalizaria. Digamos que, dada a natureza inovadora e experimental de suas obras, nem todo leitor consegue penetrar os meandros de sua vasta e rica literatura de ficção regionalista. Guimarães nunca será um best-seller universal, mas sua obra vai quebrar vários paradigmas da literatura da segunda metade do século 20.
A maioria dos leitores, com mais maturidade, pode ser iniciada pela leitura séria de autores como um Guimarães ou mesmo de um autor universal como Kafka, cujas obras (Metamorfose, O artista da fome, O castelo, O processo) influenciaram os grandes escritores da segunda metade do século passado. Entretanto, Kafka logo se tomou um ícone e lido por quase todos os tipos de leitores. É que havia uma barata, enorme e asquerosa, na qual o personagem Gregor Samsa se transformara. O fascínio da obra reside justamente nesse absurdo repugnante. Está assim inaugurada a literatura do absurdo. Absurdo século.
Que tal fazer visitas aos injustiçados sebos? A aparente desordem dos livros pode conter surpresas agradáveis e baratas
Até o fim de Metamorfose o leitor mais preparado espera que o personagem se livre do corpo nauseante do nojento inseto. Kafka dá uma banana no leitor mais raso; e, sem fazer concessões, Gregor termina a história ainda na pele (ou casca) do já citado inseto aberrativo. Por quê? Uns leitores torcem pela “baratona”; outros esperam que o protagonista volte a ser o que era. Espera em vão, caros leitores, pois o senhor Samsa é a personificação do mundo absurdo que estigmatiza essa época terrível do século dos grandes conflitos: o depressivo clima entre as duas guerras mundiais.
Mas, de um modo geral, o leitor comum se deleita com best-sellers, contra os quais não temos objeções. Entre lê-los e não ler nada, ficamos com a leitura dessas obras comerciais.
E quem, por aqui, seriam os autores que correspondem à geração de Franz Kafka? A crítica literária é célere em responder, principalmente na América Latina: são os autores gerados no ventre de outro tipo de absurdo, o Realismo Mágico (ou Fantástico) de escritores como Roberto Drummond, Murilo Rubião, Campos de Carvalho (O Coronel e o Lobisomem), J. J. Veiga e seu A hora dos ruminantes, e outros. São livros facilmente inseríveis no universo dos leitores juvenis, pois as histórias estão repletas de alegres situações fantásticas, que tangenciam a mais renitente fantasia.
Mas, para tudo isso criar nos leitores mais jovens amor pela leitura de ficção, é preciso ter obras de vários e diferentes autores à mão. Que tal fazer visitas aos injustiçados sebos? A aparente desordem dos livros pode conter surpresas agradáveis e baratas. Abri um livro tão antigo, do tempo do Segundo Império, que as traças que o roíam já tinham as barbas grisalhas. Achei também um livreto de crônicas de Machado de Assis, Papéis Avulsos, todo furado por traças que, tendo roído Machado, eram bem mais sábias que as outras. Certo dia, sem mais ou menos, entrei em um sebo (este, seboso, fazia jus ao nome) ali no Portão e, com um simples estender de mão, achei duas obras clássicas. Há tempo as procurava. Ei-las! Coração das trevas, de Joseph Conrad, e Cavalaria Vermelha, de Isaac Babel.
Para os jovens, seria bom oferecer-lhes obras de aventuras de corsários do Caribe, como O Corsário Negro, do autor italiano Emilio Salgari; e outras de escaramuças de piratas e bucaneiros de Rafael Sabattini, plenos de aventuras, emoção e imaginação. Não era bem sobre isso que queria escrever, mas ouçamos a famosa frase com que o nosso genial padre Vieira sempre terminava seus concorridos sermões: “Menos mal!” E para o leitor?