No que se refere às competências de leitura de crianças e adolescentes, o Brasil possui índices educacionais sabidamente preocupantes, evidenciados em avaliações educacionais nacionais, como a Prova Brasil, e internacionais, como o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa). Mas olhar a questão da leitura apenas sob a perspectiva desses indicadores pode induzir a análises parciais – como as que simplesmente responsabilizam o professor e a escola, desconsiderando que a escola pertence a um sistema educativo e está inserida na sociedade. Ou como as que reduzem a leitura ao seu papel instrumental, esquecendo que o ato de ler tem dimensões e possibilidades muito mais profundas, como as abertas pela leitura literária.

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A leitura literária, prática social fundamental para a cidadania, é uma janela de acesso ao conhecimento, à cultura. Permite ao leitor vivenciar e compartilhar espaços, situações, conflitos, sonhos, emoções, dores e experiências de vida que ampliam seus referenciais, estimulando assim um novo olhar sobre um mesmo assunto. Quem frui textos da literatura sabe exatamente das possibilidades inerentes ao ato de ler.

Aproximar crianças, jovens e adultos do ato da leitura literária implica uma arquitetura de condições muitas vezes esquecidas por aqueles que resumem todos os desafios sociais à ação isolada do professor. Estamos, todos nós, diante do desafio de formar uma sociedade leitora. "A leitura literária é um direito de todos que ainda não está escrito", registrou no Manifesto por um Brasil Literário o escritor Bartolomeu Campos de Queirós, um dos grandes nomes da literatura infantil e juvenil, falecido em 2012.

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Mas garantir esse direito não é simples. Promover a leitura literária significa criar espaços e ambientações que estimulem a interação do leitor com os diversos gêneros literários e seus suportes de leitura; é se preocupar com a qualidade do acervo – texto, ilustração, projeto gráfico – e com seu interesse para as crianças de hoje; é valorizar a autonomia de escolha do leitor, sem deixar de oferecer possibilidades para novas escolhas.

Incentivar a leitura passa pelo desenvolvimento da cultura leitora em toda a sociedade – ou seja, nas diversas comunidades que a compõem. Isso é essencial: a leitura é uma prática social que se fortalece em rede. Pais, avós e tios que leem e conversam sobre leitura; professores e funcionários que leem e compartilham seus encantos; amigos que leem e fazem de sua leitura uma agitada microrrede social – este é o ambiente fecundo para a formação de leitores.

Somente partindo dessa ampla perspectiva é possível uma reflexão mais equilibrada e justa sobre o papel da escola. Sim, a escola tem um papel fundamental e há muito a fazer, sobretudo de maneira orquestrada com as famílias. A bem da verdade, já há muito sendo feito. Muitas e boas experiências vêm se multiplicando pelo Brasil, e precisam ser reconhecidas e valorizadas. Pensando nesta valorização, o Instituto C&A tem buscado mobilizar comunidades escolares para o desenvolvimento de projetos de formação de leitores em redes municipais de ensino, por meio do concurso Escola de Leitores. Em suas duas primeiras edições, realizadas sempre com a parceria das secretarias municipais de Educação, o concurso já premiou 46 projetos de escolas de educação infantil, ensino fundamental e educação de jovens e adultos. Nesta terceira edição, em 2014, serão mais 19 escolas premiadas. Os vencedores recebem apoio técnico e financeiro para o desenvolvimento de seus projetos e uma viagem de intercâmbio à Colômbia.

Há muito mais entre o livro e o leitor do que a competência de ler promovida pela alfabetização escolar. A formação de uma nova geração de leitores passa por uma sociedade que valorize o ato de ler e que atue de forma consciente, contínua e mobilizada, para apoiar a escola naquilo que seguramente faz parte de sua missão: formar pessoas que sintam prazer em ler.

Paulo Castro, economista e diretor-executivo do Instituto C&A

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