A nova crise instalada no país, dando conta de reservatórios de água abaixo do nível de segurança, indica riscos de desabastecimento e déficits de geração de energia. Em outras regiões, cheias assolam territórios inteiros. São situações conhecidas, mas não enfrentadas de forma distinta de ocorrências passadas. Representam a evidência, que não pode ser mais explícita, do nosso comportamento esquivo e recorrente de negar as verdadeiras causas dos fenômenos ambientais extremos.
Alardes sempre na última hora, demandando economia de água e energia são praticamente inócuos para esperar da população reação mais qualificada e de efeito prático. Ao contrário: eliminar os estoques de aparelhos de ar condicionado e ventiladores, impondo mais consumo energético, é a ação prática que repercute. Fica evidenciado que, a exemplo do recente rodízio de abastecimento no Paraná (e de tantos outros), a falta de água é uma imposição das limitações ambientais crescentes.
Ao vivenciarmos pressões desse tipo, é curioso como conseguimos enxergar melhor nossas limitações diante da natureza e do quanto somos dependentes dos serviços que ela nos proporciona, como a chuva na medida certa, por exemplo. Nossa empáfia e arrogância se esvaem diante de torneiras vazias ou da possibilidade de sermos obrigados a abandonar nossos lares pelas enchentes. Colocamo-nos à deriva, à espera do que a sorte puder nos proporcionar.
Menos mal se, a partir desses cenários de penúria, conseguíssemos enxergar a conexão direta entre a conservação de áreas naturais e a nossa capacidade de resiliência perante as mudanças impostas pelo clima, algumas delas de ocorrência cíclica, e outras decorrentes das mudanças climáticas globais, causadas pelas ações do próprio ser humano.
É desalentador não existirem posicionamentos mais enfáticos que esclareçam que a degradação de áreas naturais e a perda da biodiversidade têm relação direta com a falta ou o excesso de água, a crise de energia e mais uma ampla gama de perdas econômicas e limitações à qualidade de vida, relacionadas a pressões excessivas ao meio ambiente e que são impostas a um número crescente de cidadãos.
Usando de paliativos e discursos demagógicos, mantemo-nos inertes diante das verdadeiras causas destes fenômenos. Seguimos com práticas que permitem a degradação continuada de áreas naturais e que impossibilitam uma agenda racional para minimizar suas consequências negativas. Suportamos, igualmente, por falta de alternativa, os períodos de lástima. E, ultrapassado o momento mais crítico, fazemos o que sempre fizemos: seguimos determinados, desconsiderando as variáveis ambientais das quais dependemos. Em vez de realizarmos intervenções que limitem o comprometimento do nosso futuro, simplesmente não damos atenção a esses desafios, impossíveis de enfrentar apenas com políticas de curtíssimo prazo e da visão mesquinha em relação à relevância dos investimentos para a conservação do patrimônio natural.
Somos parcimoniosos com incontáveis negócios que nos impactam em descumprimento às leis ambientais. Alteramos a legislação, como no emblemático caso do Código Florestal Brasileiro, ignorando as profundas consequências negativas dessa decisão para toda a sociedade. Como que seguros de nosso caminho, buscamos com determinação o aumento contínuo do consumo para, assim, perseguir o "bem-estar" e a "felicidade".
Os lêmingues, espécie de roedores do Norte da Europa, em algum momento das suas vidas, atiram-se em grupo de despenhadeiros, sem existir explicação para tal comportamento. Pelas similaridades evidenciadas, parece que não temos como demonstrar capacidade distinta. Continuamos apostando num equacionamento impossível para um só planeta: um andar consciente em direção ao despenhadeiro, sustentado pelo nosso reiterado comportamento ao ignorar a realidade e as verdadeiras causas de nossos estranhamentos com o meio ambiente. Como explicar?
Clóvis Borges é diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS).
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