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Alguns estados norte-americanos tornaram o ensino da letra cursiva opcional, clamando que, na sociedade contem­­porânea, há outras áreas que merecem maior destaque e dedicação

A origem do sistema de representação da língua escrita explica a importância da letra manuscrita. Durante muitos séculos, somente a nobreza e a parcela considerada culta da sociedade tinham o acesso à língua escrita e, consequentemente, a detenção do poder. Os copistas, profissionais especializados na arte de preservar os manuscritos, foram extremamente importantes e ocupavam lugar de destaque na sociedade desde a Idade Média.

Após a industrialização e com o advento da imprensa, os materiais impressos começaram a se tornar mais acessíveis às pessoas. Contudo, a letra cursiva manteve-se como símbolo de indivíduos mais escolarizados. Com a massificação do ensino no Brasil, a entrada na escola significava a autorização às crianças para obterem acesso ao escrito. Ainda assim, o ensino de escrita e leitura se baseou em atividades de prontidão, através dos quais se acreditava que a criança desenvolveria as habilidades motoras necessárias para, posteriormente, traçar as letras.

Nesse momento, o mais importante era aprimorar os traçados e aperfeiçoar o controle motor fino. Somente após essas tarefas de prontidão é que as crianças poderiam aprender as letras, usualmente do simples para o complexo, através de tarefas de cópias de listas de palavras e do estímulo à decodificação letra-som.

Com a crescente pesquisa na área educacional, além dos altos índices de adultos capazes de decodificar os textos e incapazes de interpretá-los, surgem propostas educacionais que, prioritariamente, estivessem a favor do real ensino e aprendizado da escrita e da leitura. Vale lembrar que o crescimento do mercado de literatura infantil e a abrangência da internet, também contribuíram para que as crianças tivessem acesso ao escrito desde muito cedo.

Dessa forma, os exercícios de prontidão deram lugar a tarefas nas quais as crianças eram convidadas a pensar, ao invés de realizarem cópias e repetições. Além disso, os traçados e movimentos repetitivos cederam espaço para tarefas com o real objeto do conhecimento, isso é, as letras e os gêneros textuais.

A letra cursiva continua a ocupar um importante espaço no currículo brasileiro, mas a sua introdução e uso passaram a ocorrer depois que as crianças tornavam-se alfabéticas, ou seja, capazes de estruturar o pensamento através do sistema de representação escrito. Em outros países a letra cursiva é introduzida ainda mais tardiamente. Por exemplo, o ensino ocorre na 3.ª série do Ensino Fundamental nos Estados Unidos e, ainda assim, elas não são obrigadas a utilizá-la nas tarefas escolares. Atualmente, alguns estados norte-americanos tornaram esse ensino opcional, clamando que, na sociedade contemporânea, há outras áreas que merecem maior destaque e dedicação.

Em um congresso sobre escrita e leitura na Universidade de Colúmbia, realizado recentemente em Nova Iork, a letra cursiva não foi sequer tema de aula, planejamento, teoria ou prática docente para os grupos de 1.º ano. A conferência centrou-se em como estruturar o ensino nas escolas para formarmos indivíduos que saibam qualidade de escrita e que sejam, acima de tudo, exímios leitores.

Essa temática é, certamente, alvo de inúmeras discussões e debates, o que não deve ser negado, pois possibilita que o ensino seja sempre repensado e reorganizado em consonância com as reais necessidades de cidadãos de nosso século.

Debater, nessa esfera, significa buscar as origens históricas de nossos conteúdos e as razões que nos impulsionam a ensiná-los aos nossos alunos. Deverá essa prática modificar as estruturas cerebrais dessa nova geração, negar o passado ou simplesmente se adequar à modernidade?

Roberta Deliberato é coordenadora da escola de Educação Infantil Kids da Escolha Internacional de Alphaville (de São Paulo).

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