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O caso da “cura gay” (ou “reorientação sexual”) deve ser analisado à luz da liberdade prevista na Constituição Federal e na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF). De forma clássica, atribui-se a formulação jurídica do direito à liberdade à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, promulgada em 1789: “A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudica ao outro” (artigo 4.º). Trata-se da compreensão de que cada um pode, a princípio, fazer ou deixar de fazer o que quiser. “A princípio”, no entanto, significa “caso nenhuma restrição ocorra”. Não é o caso da liberdade científica (artigo 5.º, IX, da Constituição) ou da liberdade profissional (artigo 5.º, XIII, da Constituição).

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A liberdade profissional informa que é livre o exercício de todo trabalho, desde que “atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. Isto é, existe uma reserva legal qualificada para o exercício da profissão, não sendo possível a qualquer pessoa realizar qualquer ofício, como quiser, sob risco de fraude e ilicitude.

A decisão é discriminatória, anticientífica, incompatível com o direito à liberdade e, portanto, inconstitucional

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A liberdade científica, por outro lado, só existe quando o pesquisador exercer ciência, e não culto ou fé, sem que nesse exercício de ciência seja realizada discriminação atentatória a direitos fundamentais (artigo 5.º, XLI, da Constituição). É por isso que o Supremo, no julgamento do Habeas Corpus 82.424, negou liberdade a Siegfried Ellwanger quando o autor editou livro racista, eis que discriminação e liberdade jamais caminham juntas.

Em exame dos fundamentos da decisão referente à “cura gay” – que permite a psicólogos a realização de estudos e atendimentos para “(re)orientação sexual” –, sublinham-se equívocos em três aspectos.

Em primeiro lugar, a liberdade científica não permite estudos preconceituosos, discriminatórios e anticientíficos, como é o caso de qualquer pesquisa que busque “(re)orientação sexual”, conforme compreensão da Organização Mundial da Saúde (1990), no mesmo sentido da leitura de Freud sobre a homossexualidade (1935).

Outro lado:Outros caminhos para se pensar a identidade de gênero (artigo de Aender Borba, psicólogo clínico e social)

Além disso, a liberdade profissional não permite tratamentos contrários à lei e a restrições ético-profissionais, o que torna obrigatória a observância da Resolução 1/2017 do Conselho Federal de Psicologia, que proíbe qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas (artigo 3.º).

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E, por fim, as liberdades profissional e científica são limitadas por outros direitos fundamentais, como o direito à liberdade sexual, no qual estão inclusas a intimidade sexual e a privacidade sexual, de acordo com julgamento unânime do Supremo na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132. Ou seja, todo ataque à vida privada sexual é uma violação a direito fundamental (artigo 5.º, X, da Constituição). Atendimentos psicológicos que realizem tal ilicitude são, na verdade, tortura psicológica e violência inadmissível e repudiável.

Seria possível, ainda, realizar considerações sobre a impropriedade formal da decisão, uma vez que há absoluta impertinência na utilização da Ação Popular para tutelar a pretensão dos autores. Todavia, para além desta questão técnica, é possível e necessário concluir que a decisão é discriminatória, anticientífica, incompatível com o direito à liberdade e, portanto, inconstitucional. Violar a vida privada para propor tratamento falso e estelionatário é ilegal, fraudulento e deve ser repudiado por todos que levam o direito a sério.

Lawrence Estivalet de Mello, bacharel em Direito e em Filosofia e mestre e doutorando em Direito, é professor do curso de Direito da Universidade Positivo.