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O posicionamento quanto ao complexo debate que envolve o tema da doutrinação ideológica nas escolas requer seja revisitado o conceito de liberdade de cátedra, verificada sua extensão e, ainda, questionar se a neutralidade do professor mostra-se realmente factível.

A liberdade de cátedra tem por finalidade assegurar ao professor o direito de pautar o magistério pelo pluralismo de ideias, sem que esteja jungido a determinado critério metodológico ou didático. Por evidente, por não se constituir em direito absoluto, não autoriza que seu exercício descambe para quaisquer fins, pois a educação deve veicular conteúdo científico, fundado na racionalidade e nos contrapontos estabelecidos por opostas correntes de pensamento.

Encontra, portanto, limites tanto na liberdade de aprender (CF, art. 206, II), que veda a manipulação do conhecimento, quanto na própria função da escola que tem a grande missão da socialização, de dar a conhecer o mundo que existe ao redor de cada indivíduo e não somente uma visão de mundo, ainda mais se estiver a encobrir propósitos doutrinários, que procure transformar o aluno de aprendiz em um fiel seguidor.

A plena neutralidade é inalcançável

É preciso que bem se faça a diferenciação entre a liberdade de expressão do professor, já que também é um cidadão, da liberdade de cátedra, exercida em sala de aula. Neste local, a liberdade de expressão sofre, naturalmente, restrições, pois jamais se poderia admitir a utilização da relação professor-aluno para o fim de incutir determinado pensamento que seja de sua predileção.

Ocorre que o ensinamento científico não afasta o conteúdo da teoria freudiana, segundo a qual o homem não possui pleno domínio de suas vontades, mas, antes, sofre as determinações indomáveis de seu inconsciente. Daí o questionamento acerca de ser possível ou não que o conhecimento transmitido seja pautado pela neutralidade e pela objetividade, o que, de certa forma, é preconizado nos reiterados projetos de lei, pulverizados em diversos parlamentos, em decorrência, dentre outros, do movimento denominado “Escola sem Partido”.

Para tanto, seria necessário o pleno distanciamento dos fatos, o que exigiria do professor que se despisse de sua subjetividade pessoal e das influências sociais que inevitavelmente o atingem. Sabe-se que todo objeto do conhecimento está sujeito a interpretação, e quando esta é feita há, necessariamente, a contaminação do objeto cognoscível pelo conteúdo pessoal do intérprete. Logo, a plena neutralidade é inalcançável.

Ainda assim, por dever ético, há de estar o professor consciente e cauteloso acerca do conteúdo ideológico de suas expressões e de quanto suas experiências pessoais, e não estritamente científicas, definem o seu modo de pensar e comprometem o aprendizado. Se, de um lado, tentar coibir a manifestação de convicções constitui-se em tarefa inócua, de outro lado, admitir que se estabeleça, em sala de aula, certa militância política ou partidária, divulgando-se uma única forma de pensar, sugere um desvio de finalidade da proposta educacional.

A solução para o aparente conflito encontra-se no sistema constitucional, especificamente na ética e na razoabilidade, estudada na perspectiva de adequação dos meios utilizados e na opção pelo caminho por meio do qual se possa obter o melhor resultado. Em síntese, o problema não se resolve apenas com proposta normativa, mas, antes e sobretudo, com normas principiológicas indispensáveis na aplicação de direitos constitucionais que, circunstancialmente, venham a assumir rotas de colisão.

Hirmínia Dorigan de Matos Diniz, doutoranda em Educação pela UFPR, é promotora de Justiça do Ministério Público do Paraná e atua junto à Promotoria de Justiça de Proteção à Educação de Curitiba.
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