Na medida em que estão sendo desenvolvidas vacinas contra a Covid-19, questiona-se a possibilidade de impor sua aplicação. Mais uma vez, o Brasil está polarizado entre a parte da população que entende que a vacina deve ser obrigatória e a outra parte, que defende a aplicação facultativa. Sejam as vacinas desenvolvidas na China, em Oxford ou no Instituto Butantan, não levaremos isso em consideração; o objetivo é apenas analisar se a ideia da vacinação compulsória é permissível de acordo com a Constituição Federal.
O requisito mais importante a ser considerado para começar a planejar uma campanha obrigatória de vacinação é que a vacina seja gratuita e de fácil acesso a todos, ou seja, precisa estar disponível no SUS. Está fora de cogitação a população brasileira ter de arcar com os custos da vacina. Considerando o cenário brasileiro, a desigualdade social é elevada e boa parte do povo não teria condições de bancar o tratamento de imunização. De acordo com a Síntese de Indicadores Sociais, realizada em 2017 pelo IBGE, 25,4% dos brasileiros são pobres e recebem até R$ 387,07 por mês.
As pessoas que defendem a obrigatoriedade da vacina alegam que a liberdade individual acaba no limite da liberdade do outro, ou seja, que o indivíduo pode tomar as decisões que preferir sobre sua vida, desde que não afete a vida alheia. A vacina seria em prol de um bem comum: a imunização da população e o fim da pandemia. Então, por ser relevante ao país como um todo, deveria ser tomada por todos. Assim já funcionam as campanhas de vacinação infantil. Está positivado no Estatuto da Criança e do Adolescente, artigo 14, parágrafo primeiro: “É obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias”. Seria possível, então, estender a aplicabilidade dessa lei para todos?
Não, pelo menos não durante a vigência da Constituição Federal de 1988. E o motivo é simples: estão previstos, como direitos e garantias fundamentais, no caput do artigo 5.º, que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. O mesmo artigo ainda esclarece que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Não há lei que cite como dever do cidadão, adulto e plenamente capaz, ter a carteira de vacinação em dia; assim, por mais que possa ser sugerida uma medida profilática, o Estado não pode intervir de maneira a coagir sua realização. Além disso, a vacina para a Covid-19 está sendo criada às pressas; o período de teste começou há poucos meses e já se cogita vacinar a população, sendo que o desenvolvimento de vacinas contra doenças infecciosas leva em torno de 10 a 15 anos.
Respeitando a Carta Magna, a vacina contra a Covid-19 não pode ser de caráter obrigatório, mas isso não inibe a realização de campanhas de conscientização e de incentivo. É sabido que o país se encontra em crise financeira e de saúde, e, em consequência, a maioria dos entes privados também está lidando com dificuldades financeiras e crises. Para auxiliar o governo e a fim de educar o povo, as empresas privadas deveriam patrocinar campanhas que conscientizem a população sobre a importância dessa medida profilática, divulgando vídeos de médicos, especialistas da área da saúde e até mesmo de educadores, falando de forma didática e simples sobre como a vacinação é uma forma eficaz de prevenção de doenças e destacando a importância dos cuidados neste período de pandemia. Seria recomendável que tais campanhas fossem divulgadas por meio das mídias sociais, pois é possível alcançar bons resultados de divulgação com baixo custo de investimento, sendo essa, portanto, a melhor opção de custo-benefício. Por fim, o Estado deveria ajudar na divulgação de tais campanhas em seus canais oficiais, seja na tevê aberta, seja na internet.
Luíza Simon Dobronz é estudante do curso de Direito Integral Law Experience Program da FAE.
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