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Depravado, vicioso, sórdido, imundo, repelente, repulsivo e horrendo, são alguns dos sinônimos apontados por Aurélio Buarque de Holanda para tentar definir o significado do vocábulo hediondo.

Para o mundo jurídico, porém, eles não são capazes de expressar o tamanho da repulsa que tais crimes despertam na vida em sociedade. Exagero? Entendo que não. Quais os adjetivos capazes de retratar o sentimento de indignação diante do comportamento dos meliantes que atearam fogo numa família inteira, em Bragança Paulista? Ou, ainda, dos selvagens que arrastaram João Hélio, menino de cinco anos, por milhares de metros no Rio de Janeiro? Indubitavelmente, não há palavras capazes de espelhar a indignação e, menos ainda, de confortar os familiares de um número crescente de vítimas.

Em que pese o brilho e o preparo dos juristas de opinião contrária, muitos deles repletos de argumentos precisos e judiciosos, entendo que o ordenamento jurídico necessita sim de mecanismos excepcionais e aptos a aparelhar o Judiciário com respostas enérgicas às seguidas ondas de violência que vêm corroendo paulatinamente a paz social.

Assistimos em São Paulo, há quase um ano, o episódio alcunhado de "maio sangrento" que mostrou o tamanho e poderio do crime. Seguidos e coordenados, os ataques perpetrados por uma organização criminosa vitimaram dezenas de agentes públicos e espalharam o pânico na população. Uma sociedade desorganizada e aterrorizada ficou diante do crime cada dia mais violento e organizado.

A Apamagis reagiu prontamente. Foram reunidos, em prazo recorde, alguns dos maiores especialistas na área, que se debruçaram diante dos fatos, das leis e da realidade. Esses profissionais abriram mão do pouco tempo de convívio familiar para apresentar instrumentos eficientes, representados por propostas de alteração da Legislação Penal, os quais reputo contribuição valiosa para se coibir a situação de barbárie que ameaça se instalar em todo o Brasil.

Os legisladores atentos aos acontecimentos que enlutaram a nação, de forma rápida, estabeleceram um prazo diferenciado para a progressão do regime prisional dos condenados por crimes hediondos.

Não obstante considerar tímida a alteração (cumprimento de 2/5 no caso de ser réu primário e 3/5 quando se trata de réu reincidente), não posso deixar de aplaudir o que, a respeito, foi levado a efeito pela Lei n.º 11.464/07.

Por outro lado, o referido diploma legal possibilitou a concessão, pelo juiz, de liberdade provisória a praticantes desses delitos e, ao que me parece, de forma equivocada e sem analisar as profundas e excepcionais conseqüências dos crimes praticados de forma a chocar o sentimento da população, fazendo nascer o descrédito à lei.

Não se trata de querer tirar do julgador sua competência para decidir sobre a prisão ou liberdade daquele que pratica o delito, quando qualificado como hediondo.

O que se deseja é que nesses casos o acusado sinta de pronto os efeitos do fato que praticou de forma repelente, repulsiva, sórdida e horrenda e que a sociedade possa, imeditamente, ver-se afastada de pessoa nefasta e prejudicial aos princípios que norteiam a convivência humana.

Com a lei em vigor, afora inúmeras decisões díspares que poderão se suceder oriundas do livre arbítrio do juiz, o dispositivo tenderá a deixar de ser perspectiva para se tornar um direito do acusado.

Diante disso, qual a explicação se dará a pais, esposas, filhos, irmãos e demais parentes das vítimas, bem como ao povo em geral, quando o autor de crimes de especial agressividade, como são os hediondos, forem colocados em liberdade com a possibilidade de circular no próprio recinto no qual praticaram tal afronta, podendo aguardar livres e sem qualquer pudor o desfecho do processo.

Ninguém propõe o desrespeito aos direitos humanos, nem mesmo do mais repelente criminoso, eis que, ao fiscal, o Estado se distingue deste na exata medida de que lhe confere direitos e a possibilidade de recuperação. Evidentemente, há argumentos técnicos capazes de fornecer embasamento aos doutrinadores de cada uma das vertentes, ou seja, daqueles que entendem ser um direito do acusado da prática de crime hediondo aguardar o julgamento em liberdade e dos que, como nós, postulam que não. Permitimo-nos, porém, apenas lembrar que o endurecimento da lei neste tema é medida absolutamente excepcional e busca antes de tudo criar fator inibidor de crimes que aviltam a dignidade do cidadão, causando na sociedade muita intranqüilidade e um temor que retira de todos o prazer de viver e o direito de ser feliz.

Sebastião Luiz Amorim é desembargador (TJSP) e presidente da Associação Paulista dos Magistrados (Apamagis).

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