A liberdade religiosa é um assunto que está cada vez mais na mídia, nas rodas de conversa e nas mensagens que trocamos pelas redes sociais. O direito de ter, de mudar e até mesmo de não ter uma religião passou a ser mais debatido. Justamente por entender a importância da liberdade religiosa é que Fundação Pontifícia ACN publica seu Relatório de Liberdade Religiosa desde 1999. A primeira edição contava apenas com algumas poucas páginas. Já a última edição, lançada no dia 20 de abril, contém cerca de 800 páginas.
Com o relatório, não temos o objetivo de defender uma ou outra religião, mas sim defender o direito fundamental de cada ser humano de ter ou não uma religião. O Relatório de Liberdade Religiosa deve ser entendido como um serviço da ACN para toda a sociedade, colaborando com a manutenção desse direito fundamental, que é a liberdade religiosa, um verdadeiro caminho para se alcançar a paz.
O documento traz uma análise da liberdade religiosa em 196 países do mundo, incluindo o Brasil, e abrange todos os grupos religiosos. Os relatos de cada país foram escritos por acadêmicos, jornalistas independentes e autores sediados majoritariamente na região da sua especialidade. Cada relato de país tem início com uma análise da situação legal e constitucional que afeta a liberdade religiosa. Segue-se uma descrição de até que ponto a lei é respeitada na realidade. Depois, descrevem-se os incidentes de perseguição religiosa. Por fim, observa-se no período em análise se a liberdade religiosa melhorou, permaneceu igual ou se deteriorou, além de informar as perspectivas nesta área em termos futuros no curto prazo.
A liberdade religiosa está no artigo 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos: Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; esse direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença pelo ensino, pela prática, pelo culto em público ou em particular. A liberdade religiosa também está na declaração Dignitatis Humanae (1965), em que o Concílio Vaticano II declara que “a pessoa humana tem direito à liberdade religiosa. Esta liberdade consiste no seguinte: todos os homens devem estar livres de coação, quer por parte dos indivíduos, quer dos grupos sociais ou qualquer autoridade humana; e de tal modo que, em matéria religiosa, ninguém seja forçado a agir contra a própria consciência, nem impedido de proceder segundo a mesma, em privado e em público, só ou associado com outros, dentro dos devidos limites.
Assim como seus predecessores, o papa Francisco também defendeu a liberdade religiosa em várias ocasiões como no Sri Lanka, em 2015, quando disse: “a liberdade religiosa é um direito humano fundamental. Cada indivíduo deve ser livre para procurar, sozinho ou associado com outros, a verdade, livre para expressar abertamente as suas convicções religiosas, livre de intimidações e constrições externas”. Mais recentemente, após o seu encontro com o Grande Imã Ahamad Al-Tayyib de Al-Azar, o líder do mundo muçulmano sunita, em 2019, os dois líderes religiosos assinaram em conjunto a Declaração de Abu Dhabi sobre a Fraternidade Humana. Uma das frases marcantes do documento, e que o papa Francisco repetiu em 2020, no Dia Internacional em Homenagem às Vítimas de Perseguição Religiosa, é: “Deus não precisa ser defendido por ninguém e não quer que o Seu nome seja usado para aterrorizar as pessoas. Peço a todos que parem de instrumentalizar as religiões para incitar ao ódio, à violência, ao extremismo e ao fanatismo cego”.
Tal como entendemos no Relatório de Liberdade Religiosa, no Brasil não chega a haver perseguição religiosa. Em nosso país a liberdade de crença e culto é garantida pela Constituição, que também estabelece como crime a discriminação por religião. O que há, como em praticamente todas as nações e culturas do mundo, são episódios de intolerância religiosa. E, se alguém sente ter sofrido uma discriminação religiosa, isso pode ser denunciado e levado a um tribunal. Isso é diferente de um país como o Paquistão, por exemplo, onde existe uma religião estatal e os cidadãos podem ser presos – e mesmo condenados à morte – por blasfêmia, mesmo sem provas substanciais.
O Relatório de Liberdade Religiosa busca levar histórias não apenas daqueles que sofrem perseguição, mas também daqueles que conseguem contribuir para a liberdade religiosa no mundo. Foi muito positivo ver que, mesmo em meio à pandemia, grupos religiosos se apoiaram uns aos outros. Em Camarões, milhares de muçulmanos juntaram-se aos cristãos nas orações do dia de Natal para pedir a Deus o fim da pandemia e a paz; em Bangladesh, onde, devido ao medo da infecção, os grupos religiosos minoritários não puderam disponibilizar os ritos funerários aos membros da família, uma instituição de caridade islâmica realizou os funerais não só dos muçulmanos, mas também de hindus e cristãos, vítimas da Covid-19.
Em suma, o Relatório de Liberdade Religiosa é uma ferramenta que permite a análise desse direito fundamental e que um dos seus frutos é um caminho para o desejo de todas as religiões: a paz.
*Frei Rogério Lima é assistente eclesiástico da ACN Brasil.