O CEO do Facebook, Mark Zuckerberg, durante palestra no F8 Summit, na Califórnia.| Foto: Josh Edelson/AFP

O Facebook diz que sua nova criptomoeda, a Libra, é uma ferramenta de inclusão financeira e alternativa aos sistemas de pagamento atuais, morosos e complicados. Na verdade, há outra motivação para seu lançamento, embora não seja aquela que os críticos têm em mente: ela é a última esperança da empresa de reconquistar a confiança do mundo.

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A companhia usou os bilhões de usuários de seu mecanismo de inteligência artificial para, infalivelmente, direcioná-los para os anunciantes. A privacidade, o discurso cívico e até a democracia acabaram esmagados pelo avanço do Facebook rumo à dominação global – e agora ele enfrenta legisladores furiosos no mundo todo, multas estratosféricas, investigações hostis e regulamentações punitivas para refrear suas ações.

Apesar de toda a polêmica, os lucros da rede social continuam fortes e o número de usuários, constante. Mas o fato é que perdeu aquilo que, em longo prazo, é mais importante: a confiança de sua comunidade. A confiança é o elemento que impulsiona as relações humanas e o comércio; representa a disposição de acreditar na boa vontade, na capacidade e nos princípios do outro, apesar das incertezas. Não há pressão ou propina que façam uma pessoa confiar em outra. A companhia é esperta o bastante para reconhecer que, sem esse vínculo de credibilidade, todas as relações são simplesmente contingentes e transacionais. A falta de confiança cria um ônus pesado que eventualmente acaba sendo cobrado.

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O Facebook construiu um império equilibrando o apelo da conexão social ilimitada com o potencial extrativista da especulação de dados

Assim, como uma empresa do porte e influência do Facebook recupera o crédito com seus usuários, reguladores e parceiros? Desculpar-se, reafirmar compromissos, enaltecer a privacidade e jurar que dessa vez vai ser diferente não cola mais. Não há nada que diga que possa recuperar a confiança perdida, e pouco pode fazer a respeito. Reforçar a IA para monitorar o discurso de ódio e impor mais regras para proteger a privacidade não muda seus fundamentos. É e sempre será uma corporação que visa à maximização dos lucros, com deveres fiduciários aos acionistas e um modelo de negócios amarrado à publicidade.

E é aqui que entra a criptomoeda. O Bitcoin e a tecnologia de blockchain que ele popularizou não são apenas uma versão nova, digital, do dinheiro; o que faz da novidade algo revolucionário é o fato de criar as bases para uma nova forma de confiança.

Um blockchain nada mais é que um livro fiscal descentralizado, o que significa que cada participante da rede pode confiar na precisão das transações sem precisar se valer de intermediários, como bancos ou câmaras de compensação, para verificá-las. Uma criptografia sólida protege as informações de quem faz essas transações, em todas as etapas, e oferece garantias robustas contra adulterações. Se o Facebook conseguir estabelecer a Libra como um meio fidedigno de transação para seus usuários, isso contribuirá de forma significativa para a recuperação da credibilidade de seu nome.

Os sistemas que usam blockchain operam de variadas formas, com diferentes graus de descentralização e controles de acesso, e nem todos envolvem dinheiro. A Libra será uma rede "autorizada" na qual somente parceiros aprovados podem processar as transações, mas nenhum deles, incluindo o próprio Facebook, tem o poder de interromper uma transferência ou alterar o livro fiscal. Nesse aspecto, a companhia está se submetendo a limites muito mais amplos ao seu poder do que os de quaisquer regulamentações propostas.

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Inúmeros membros do governo já pediram inquéritos para saber se o novo esquema do Facebook expandirá seu aparato imenso de coleta de dados para o espectro financeiro; outros temem que a companhia, com quase o dobro da população de qualquer país do mundo, usurpe o poder sobre as moedas e enfraqueça as proteções contra a lavagem de dinheiro.

Por enquanto, a empresa está dizendo todas as coisas certas: que cederá a gestão da Libra a um consórcio, que atualmente compreende a si mesma e 27 prestadores de serviços financeiros, investidores e instituições sem fins lucrativos; que terá apenas um lugar à mesa, sem privilégios especiais; que criará aplicativos do tipo "carteira" para o WhatsApp e o Messenger por meio de uma subsidiária que compete com desenvolvedores não afiliados; que a rede se tornará mais descentralizada com o tempo.

Depois de um comportamento deplorável tantas vezes repetido, ninguém que esteja prestando atenção vai acreditar na palavra da empresa, mas esse é o ponto do sistema blockchain: não é preciso. Os limites do poder do Facebook sobre a Libra serão definidos em seu software de fonte aberta e administrado por um número crescente de parceiros que podem denunciá-lo a qualquer momento. O foco da credibilidade será no sistema blockchain, não no Facebook em si.

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A racionalização superficial para a Libra é menos importante do que o jogo de longo prazo que o Facebook está fazendo; os benefícios do restabelecimento da confiança perdida eclipsariam o que pode obter com a exploração de informações.

O Facebook construiu um império equilibrando o apelo da conexão social ilimitada com o potencial extrativista da especulação de dados. Esse arranjo afetou drasticamente os usuários. A única maneira que a companhia tem de recuperar a estabilidade é mediante um arranjo totalmente novo.

Ele hoje fala de privacidade e do combate ao abuso de sua plataforma, mas essas afirmações já provaram várias vezes ser vazias; a nova arquitetura de confiabilidade da criptomoeda/blockchain talvez mude isso.

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Kevin Werbach é professor da Wharton School da Universidade da Pensilvânia e autor de "Blockchain and the New Architecture of Trust".

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