| Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo

Considero um crédito à minha independência de espírito o fato de, apesar de ser casada com um jornalista esportivo e criar alguns torcedores novinhos e já fanáticos, conseguir não absorver praticamente nada a respeito do esporte. Sento ao lado deles, que ficam gritando e gemendo para os jogadores na tevê e, depois de uma hora, ainda consigo perguntar: “Peraí, a Espanha está de vermelho?” (a mesma coisa quando jogava softball na escola, eu não lembrava se tinha acabado de rebater e corrido para a primeira base ou já começara o jogo nessa posição).

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Apesar disso, passei a apreciar o futebol, principalmente a Copa do Mundo deste ano, em parte por se mostrar uma excelente baby-sitter, e ainda por cima de graça. Enquanto meu marido está na Rússia para cobrir o torneio, dei uma relaxada nas regras e horários de televisão para deixar os meninos assistirem a todas as partidas até a hora de dormir (recentemente abri ainda mais para incluir as mesas redondas antes e depois dos jogos). Faz muitos anos – quatro, para ser mais precisa – que eu não tinha tanto tempo livre.

Mas meu carinho pela Copa não é puramente egoísta, não; também acho que é boa para os garotos. Tá, já ouvi casos de torcedores desesperados que pularam da janela quando o time perdeu uma final importante – mas esse não é o tipo de lealdade que quero inspirar nos meus filhos. O fato é que, segundo meu marido, há menos casos de suicídio na Europa no mês em que as seleções se enfrentam, graças ao sentimento generalizado de comunhão e união (tampouco os índices voltam a crescer logo após o término). Até as derrotas unem as pessoas, envolvidas em um drama tipo tudo-ou-nada, mas que sabem que, no fim, o resultado não mudará nada em suas vidas. “É um escape seguro das coisas que realmente importam, ou seja, praticamente todo o resto”, diz ele.

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Uma das grandes alegrias da Copa do Mundo é sentir que você está entrando na mesma sintonia que as outras pessoas

Esse “todo o resto” atualmente inclui o nacionalismo perigoso que está tomando conta da Europa e dos Estados Unidos, graças ao qual os imigrantes e outros estrangeiros estão sendo desumanizados e levando a culpa por tudo, porque algumas lideranças alegam que certos países são intrinsecamente piores que outros. A Copa do Mundo, ao contrário, oferece uma opção de nacionalismo alternativa, positiva e tolerante, pois você torce pelo seu país sem denegrir nenhum outro povo.

De fato, assistir aos jogos da Copa quase sempre significa se identificar com várias nações. Mesmo que seu país esteja jogando, você pode torcer para outro. Uma conhecida minha, francesa, cujos pais emigraram do Marrocos e é casada com um egípcio, contou que o filho de 9 anos ficou torcendo para a Islândia até ela ser eliminada.

Quando eu e os meninos passávamos por grupos de costarriquenhos e argentinos torcendo nos cafés aqui de Paris, era impossível não compartilhar sua ansiedade e alegria. Meus filhos ficaram especialmente comovidos com os panamenhos, que choraram de felicidade perdendo de 6 a 1 para a Inglaterra porque foi a primeira participação do país nas Copas e sua seleção conseguiu fazer um gol (eu fiquei emocionada porque o jogador que marcou já tem 37 anos).

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Só de acompanhar os jogos, os meninos se tornam cosmopolitas. Há quatro anos, os meus aprenderam a pronunciar Belo Horizonte e Curitiba; hoje, estão familiarizados com Volgogrado e Saransk. Os confrontos improváveis em campo – Peru x Dinamarca! Portugal x Irã! – parecem supernormais para os mais novinhos. Graças ao álbum de figurinhas Panini, o equivalente no futebol aos cartões do beisebol, conseguem recitar estatísticas dos jogadores do Senegal à Arábia Saudita. Uma amiga francesa ficou de queixo caído ao ver o filho de 6 anos recitando a escalação completa do time da Croácia.

Mas nem tudo é ternura e momentos de superação valorosos, é claro: uma mãe espanhola ficou tão revoltada com a falta de adesivos das seleções femininas para suas filhas que ela mesma resolveu desenhá-los; vários franceses comentaram que meus filhos, parisienses da gema, deviam estar arrasados com a não classificação dos Estados Unidos para a Copa. Acharam que, porque sou norte-americana e meu marido é inglês, os garotos não eram franceses até o último fio de cabelo.

Só de acompanhar os jogos, os meninos se tornam cosmopolitas

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De qualquer forma, uma das grandes alegrias da Copa do Mundo é sentir que você está entrando na mesma sintonia que as outras pessoas – o que vale até aqui na França, onde manter a distância é o esporte nacional. Os parisienses, aliás, costumavam desprezar o futebol, considerando-o diversão das classes mais baixas. Um senhorzinho me disse outro dia que não gosta por causa do “l’horreur de la gloire”, ou seja, a demonstração excessiva de orgulho no gramado.

Mas eles vêm mudando de umas edições para cá. Os cafés simples do meu bairro se transformam em sports bars para os jogos, decorados com bandeiras do mundo todo e até telões. Recebi vários convites para assistir às partidas no apartamento dos amigos.

Meu marido está cobrindo sua oitava Copa, e marca a passagem de sua vida de acordo com o lugar em que estava em cada uma. Embora eu ainda não consiga marcar bem a diferença entre escanteio e falta, vou me lembrar do Mundial de 2018 porque consegui ler vários livros, preparar uma lasanha e torcer para a seleção mexicana só para irritar Donald Trump.

Pamela Druckerman contribui com a coluna de opinião e é autora de “There Are No Grown-Ups: A Midlife Coming-of-Age Story”.
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