O professor tem direito de usar o tempo de aula para defender sua posição política? Ou para doutrinar ideologicamente os alunos? Ou pregar uma fé religiosa? Em que consiste a liberdade de expressão durante uma aula?
A aula consiste numa contradição em ato: ela é uma atividade racional que exige linguagem adequada. Mas é impossível exercitar a racionalidade sem que o professor expresse suas paixões no calor da aula, sobre sua posição política, fé religiosa, gosto estético, interesse por uma concepção científica. Uma aula precisa ter o colorido emocional do professor, que tanto serve para marcar seu estilo didático como pode causar impacto de sentido ao aluno. Esse quantum emocional pode ser regulado conforme a estrutura psíquica do professor, mas nem sempre existe preparo intelectual e moral para lidar com situações-limite durante uma aula.
A atividade docente deve se pautar para ensinar os conteúdos da disciplina de forma imparcial e isenta. Assim, a função docente comporta mais uma ética do que uma moral. Ou seja, cabe ao docente "ensinar" e não "doutrinar". O docente é um porta-voz do conhecimento sistemático (filosófico ou científico) e não porta-voz de sua mera opinião. Desse modo, a liberdade de expressão do professor deveria estar condicionada ao papel de transmissor do conhecimento; isso significa que o ato docente deve proporcionar aos alunos primeiro a superação de opiniões e formar neles um pensamento consistente sobre determinado assunto.
A boa aula tem o poder de abrir o pensamento reflexivo e crítico do aluno; problematizar as situações do mundo e instigar para a pesquisa científica. Tal postura democrática pode contribui para formar um aluno flexível no pensamento, democrático, condição preventiva contra o dogmatismo que é o fechamento cognitivo para pensar seus erros e equívocos. Portanto, age de modo imoral o professor que usa a função docente que é simbolicamente investida de saber e poder para veicular um discurso ideológico, que é o avesso da verdade do conhecimento científico.
Esta sinalização ética-moral da docência vale para aquele professor da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, que rompeu com a aula para fazer uma pregação ideológica direitista sobre o golpe militar. Mas também deveria valer também para aqueles professores que em vez de "ensinar" as hipóteses e pontos de vista de um Karl Marx optam por "doutrinar" os alunos. Trata-se de uma atitude consciente ou equivocada do docente, que tende a dirigir o espírito e ação do aluno para aceitar o professor X como "o" caminho da verdade, a luz e a certeza.
Certamente não existe função docente neutra. Assim como não há jornalista ou mídia isentos de opinião, também não há professor que não tenha sua própria opinião política, posição religiosa, estética. Mas uma coisa é um professor querer impor aos alunos sua preferência política e outra é ele agir de modo estritamente profissional. Como dizia Hannah Arendt, a escola deve ser um espaço para levar os alunos a pensar como o mundo é e não para "convencer" os alunos das convicções ou certezas do professor. Até porque vivemos uma época de profundas transformações onde a única certeza é não ter certezas.
Raymundo de Lima, psicólogo, é mestre em Psicologia Escolar (UGF) e doutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP).
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