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Luminosos, brilhantes para dizer o mínimo, os três editoriais desta Gazeta a respeito do aborto. Luminoso, brilhante, para também dizer o mínimo, o artigo do mestre Waldemiro Gremski, na quinta-feira, com o título "A Origem na Concepção". Luminosos porque lançam luz onde impera a escuridão da ignorância; brilhantes porque colocam a discussão no patamar apropriado, ofuscando os que são incapazes de olhar para o alto para escapar à vulgaridade e aos chavões na discussão de um assunto tão delicado. A identificação da vida e o suposto direito à sua interrupção pela prática legal do aborto não são questões biológicas, sociais ou legais. Portanto, sua apreciação não pode se circunscrever a essas dimensões nem se concentrar nas propriedades físicas iniciais do feto. A discussão da vida transcende essas fronteiras e tem de ser colocada no território da filosofia, no terreno ontológico e ético.

Além de luminosos e brilhantes, os artigos foram extremamente corajosos porque assumiram claramente posição em um assunto dessa complexidade num momento de quase completa abulia intelectual no país e especialmente na universidade brasileira. Sistematicamente tem acontecido ou uma ou outra coisa: ou os intelectuais vêm renunciando ao papel de formadores de opinião, limitando-se ao de informadores das idéias alheias; ou assumem um papel de puro e simples proselitismo ideológico, sem qualquer preocupação com a qualidade intrínseca dos argumentos para defender seus pontos de vista. Há ainda aquilo que os marquetólogos chamam de comportamento de horda em que as pessoas se sentem confortáveis em pertencer ao "mainstream", ao pensamento majoritário, ao politicamente correto. Há tempos é raro encontrar-se na vida universitária brasileira opiniões fundamentadas que sejam divergentes, instigadoras da reflexão, da contradição e do debate.

Quando observo esse fenômeno no meio universitário fico alarmado. Meu mestre Guerreiro Ramos (sempre ele) se irritava com o que ele considerava ser uma demonstração de pusilanimidade intelectual de muitos professores, que se recusavam a tomar posição nos assuntos mais sérios em nome de uma suposta objetividade científica. Não poucas brigas ele comprou quando acusou a maioria dos sociólogos brasileiros de praticar uma "sociologia consular", de fazerem o papel de meros representantes diplomáticos do pensamento estrangeiro. Guerreiro dizia a seus alunos: "Lembrem-se de que o professor não é uma ‘clearinghouse’ – uma câmara de compensação que armazena e distribui informações e idéias dos outros: o papel do professor é professar". O Houaiss atribui à etimologia da palavra o significado de "manifestar-se, declarar alto e bom som, afirmar, prometer, protestar, obrigar-se". Que pensa a universidade brasileira sobre os assuntos mais fundamentais que estão em debate atualmente? A maioridade penal, a criminalidade, o aquecimento global, o aborto, o modelo econômico, a questão racial, a inserção internacional de nosso país no mundo globalizado e tantos outros? Aparentemente pensa pouco, pois o que se vê brotar nos meios de comunicação é o fruto da ação dos grupos mais bem organizados e articulados que dominam o debate e acabam dando à população a impressão de que suas opiniões são incontestes e unanimemente reconhecidas como corretas.

Pior que isso, a insistência de alguns setores organizados em promover um plebiscito para que a população opine sobre assuntos complexos, como a permissão ou não do aborto legal no país, é a abdicação do debate qualificado em favor da entronização da sabedoria popular como instrumento para a definição de escolhas no campo das políticas públicas. Em um país como o nosso, em que o Inep considera que menos de 6% dos estudantes que passaram 11 anos na escola (o dobro da média brasileira) têm domínio adequado da língua portuguesa (leia-se capacidade de ler e escrever, produzir ou interpretar textos complexos), trata-se de uma suposição generosa e irrealista.

Está mais que na hora de elevar e ampliar o debate qualificado no Brasil e isso é tarefa de todos aqueles que se julguem capazes de emitir uma opinião e defendê-la com argumentos minimamente consistentes. Plebiscitos só servem para aferir quantos milhões de pessoas pensam de maneira igual. Mas é bom lembrar da frase de Bertrand Russell quando viu suas opiniões esmagadoramente contestadas pela opinião popular: "Se 50 milhões de pessoas dizem uma tolice, ela continua sendo uma tolice".

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do mestrado em Desenvolvimento e Organizações da FAE – Business School, membro da Academia Paranaense de Letras e diretor do Instituto Ciência e Fé.

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