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Opinião do dia 1

Luc Ferry, a filosofia e a salvação

Luc Ferry, filósofo, escritor, professor, polemista e ex-ministro da educação da França entre 2002 e 2004, estará no Brasil para uma série de palestras. Uma delas será em Curitiba, no dia 20 de maio, na qual ele abordará temas sobre educação, vida e religião. Trata-se de um intelectual de alto nível, cujos livros vêm sendo traduzidos para várias línguas, inclusive o português. A qualidade dos seus textos e a relevância das suas ideias recomendam prestar atenção no seu trabalho, se não para acreditar, pelo menos para refletir sobre o que ele fala e escreve.

Luc Ferry afirma que o ser humano transita entre três grandes eixos. O primeiro diz respeito à atividade intelectual por meio da qual formulamos nossa concepção do mundo, da natureza e da sociedade. É o eixo da teoria, por onde tentamos compreender a origem da vida e do Universo, de onde viemos, para onde vamos e por que estamos aqui. O segundo eixo é o caminho pelo qual tentamos conhecer as regras que regem o jogo da vida. É o eixo da ética, por onde buscamos definir o que devemos fazer e o que devemos não fazer, e as razões que justificam um dado comportamento e não outro.

O terceiro eixo diz respeito à tentativa de entender quais as razões disso tudo, o porquê da vida, da dor e do sofrimento, e qual o significado da existência na Terra. Ele chama esse eixo de espiritualidade ou sabedoria. Na sua forma sofisticada, inteligente e provocante de nos guiar pelos caminhos da compreensão da vida por meio da filosofia (esta definida como o amor pela sabedoria), Luc Ferry diz que o ser humano é atormentado por uma ideia trágica: a finitude da vida e a questão da salvação. Crentes e ateus preocupam-se igualmente com a morte e o que há depois dela, o algo ou o nada.

O ser humano é o único animal que tem memória da dor e o único que sabe que vai morrer. Os animais irracionais, quando se recuperam de uma doença e se livram da dor, não guardam memória do sofrimento e também não sabem que um dia irão morrer, pois eles não têm consciência, apenas instintos. Sem ter certeza do que há depois desta vida, o homem se martiriza com a ideia da salvação, ou não. Nisso reside todo o alicerce da religião (o vínculo que liga a criatura humana a Deus) e das religiões (as instituições estruturadas para disciplinar e administrar o vínculo entre criatura e criador).

As religiões afirmam que, caso se comporte da forma como elas recomendam a partir da forma como elas entendem o que seria a palavra de Deus, o homem conquistará a salvação da alma. Portanto, as religiões precisam de duas premissas: a) de que exista vida espiritual depois da morte; b) de que existe um Deus encarregado de nos salvar. Algumas seguem por outro caminho, ao dizerem que o espírito evoluirá até à perfeição e não haverá condenação de ninguém ao fogo do inferno. Essa doutrina é conhecida como soteriologia, a salvação da alma por meio de um outro, ou seja: Deus.

Para Ferry, existe outro caminho para a busca da salvação: a filosofia, que propõe ser uma doutrina de salvação por si mesmo, sem a ajuda de Deus. Afora questões de fé, de crença ou não em Deus, o que há de interessante na filosofia de Luc Ferry é a busca de uma ética, no sentido de comportamento voltado para o bem, para todos, crentes ou ateus. Um filósofo cristão disse: "Se não há Deus nem vida após a morte, então tudo é permitido". Se tudo acaba no dia do nosso enterro, então tudo seria válido e não haveria sentido em insistir na prática do bem. Ferry diz que a filosofia é superior à religião porque não precisa de um Deus para justificar o comportamento para o bem, e que o homem sábio comporta-se como dizia Abraham Lincoln: "Se faço o bem, me sinto bem; se faço o mal, me sinto mal. Nisso consiste a minha ética".

Por essas pinceladas de polêmica dá para perceber que a conversa é longa e complexa. Mas Luc Ferry vai além e fala de assuntos da vida cotidiana, mesmo porque ele teve uma passagem pelo Ministério da Educação da França e pôde, ali, desenvolver sua visão do processo educacional e seus problemas factuais. Vale a pena ouvi-lo.

José Pio Martins, economista, é reitor da Universidade Positivo

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