“Lugar de fala” é a típica invencionice cuja finalidade é a de cercear o debate público, tentando estabelecer a premissa de que os únicos que podem ponderar sobre determinados assuntos são aqueles que vivenciaram experiências históricas ligadas às suas identidades, gêneros ou classe social. Segundo essa tese, por exemplo, somente negros poderiam falar sobre racismo ou apenas mulheres teriam o direito de se pronunciar sobre a maternidade.
Na verdade, porém, sob a aparência de “oportunizar e ressignificar” a participação de grupos identitários contra o “pensamento hegemônico”, nota-se que tudo não passa de uma falaciosa tentativa de desqualificar quem fala, ao invés de se discutir o conteúdo do assunto em si.
Há um grupo que sofre as consequências de uma decisão do ministro Alexandre de Moraes, no qual todos nós temos lugar de fala, eis que, naturalmente, já fizemos parte dele: os bebês
No entanto, para os fins a que se propõe este artigo, vale aqui analisarmos o “lugar de fala” dos diversos destinatários das decisões ultimamente proferidas pelo ministro Alexandre de Moraes, para que possamos definir se podemos ou não opinar sobre elas, nos moldes preconizados por esta malfadada tese.
O primeiro grupo que poderíamos destacar seria o dos milionários. A recente decisão de banir uma das empresas de um estrangeiro extremamente rico, as multas e os bloqueios patrimoniais em seus outros empreendimentos deveria fazer com que refletíssemos sobre a liberdade econômica deste seleto grupo, se foi ou não efetivamente afetada.
Outro agrupamento que sofreu restrições foram os jornalistas e influenciadores digitais, que tiveram seus perfis bloqueados e forçados, inclusive, a sair do país para salvaguardar sua liberdade de expressão.
Deputados, senadores e outros detentores de mandatos eletivos também foram banidos das redes sociais e sofreram limitações de liberdade no exercício de seus mandatos, geralmente acusados de promover um alegado discurso de ódio.
Pais, filhos, avós e donas de casa, que pensavam estar em uma simples manifestação política, sofreram restrições em sua liberdade de locomoção porque teriam atentado contra as instituições democráticas em um golpe desprovido de armas, tendo um, inclusive, perdido sua vida enquanto estava no cárcere.
Diante destes casos, sob o enfoque desta tese do “lugar de fala”, a conclusão a que chegamos é que somente os protagonistas destas histórias poderiam afirmar o quanto estas decisões impactaram suas vidas. Nós, daqui de fora, não teríamos o poder de mensurar suas dores e tudo aquilo que estão passando, pois não somos milionários, nem jornalistas, influencers, parlamentares e tampouco participamos presencialmente do 8 de janeiro.
Entretanto, há um grupo que sofre as consequências das decisões do ministro Alexandre de Moraes, no qual todos nós temos lugar de fala, eis que, naturalmente, já fizemos parte dele: os bebês. De fato, com uma simples decisão monocrática, cancelou-se a Resolução 2378 do CFM e, por conseguinte, foi autorizado o procedimento de assistolia fetal, em que crianças são quimicamente queimadas vivas dentro do ventre de suas mães pelo uso do Cloreto de Potássio.
Assim – acatando esta esdrúxula tese – neste único caso em que teríamos direito ao nosso “lugar de fala”, podemos clamar ao excelentíssimo ministro para que dê um basta a esse absurdo e reveja sua decisão que chancela, em nosso país, um odioso instrumento de tortura ao ser humano.
Danilo de Almeida Martins é jurista.
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