O presidente Lula.| Foto: Reprodução/Youtube/Governo Federal
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Completamos agora um ano do terceiro mandato de Lula com o maior estelionato eleitoral já visto na história do Brasil, apesar de seus eleitores continuarem amortecidos. A popularidade de Lula cai consistentemente, mais rápido do que a de Bolsonaro em seu primeiro ano, mas o que deveria ser o efeito desse estelionato ainda não se encontra refletido em seus números. Por quê?

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Alguns motivos. O mais óbvio é o recorde de gasto em propaganda, voltando a dar emissoras como a Globo uma fatia de publicidade muito maior que sua audiência. O segundo é a compra das agências de influencers para defender o governo. Por fim, é o fato de que o PT, ao longo de 30 anos, acanalhou a esquerda e o processo político brasileiro em geral.

Quem estiver com o PT vai pagar caro politicamente. A traição na política recompensa a curto prazo, mas mata a longo prazo.

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Vamos agora resumir em algumas páginas as 41 páginas de traições que recolhi neste ano. E o resumo delas é que apesar de promessas de reversão das políticas econômicas e reformas de Temer e Bolsonaro, tudo foi mantido ou aprofundado. Lula mostra que não aprendeu nada e não esqueceu nada. Repete a fórmula de seu primeiro período: juros para banco, orçamento para o Centrão e discurso identitário para a companheirada. O problema é que, insisto, não há mais espaço econômico ou social para esse modelo de governo, que agora se tornou explosivo e nos levará à beira da convulsão social.

O governo abre com a traição à promessa de campanha de rever a privatização da Eletrobrás que Lula chamou de “criminosa”. A promessa foi transformada numa aceitação de irreversibilidade e conclusão do processo de transição pelo governo, acompanhada de uma promessa de contestação no Judiciário, que nunca foi levada à frente.

Em outra traição desavergonhada ao discurso de moralidade – feito no último debate presidencial, onde prometeu que não iria indicar amigo ou partidário ao supremo – Lula indicou Zanin.

Então o governo consegue na “PEC da transição” licença para gastar mais 145 bilhões, entre outras coisas, supostamente, para reativar todas as obras paradas no Brasil e pagar o aumento do bolsa família dado por Bolsonaro. O valor do bolsa família de Bolsonaro ficou, mas as obras ficaram paradas e o dinheiro foi depositado no altar dos juros mais altos do mundo.

Para amenizar a frustração com a traição, Lula mandou anunciar uma nova promessa, o novo PAC que seria de mais de um trilhão de reais em quatro anos. Quando detalhou o plano, o que entregou foi um PAC raquítico de 60 bilhões por ano, o que não dá nem para manter a infraestrutura do país. O resto, eram projeções de recursos vindos de “parcerias” com a iniciativa privada. Dispensável perguntar o que saiu ou sairá do papel. No que diz respeito ao BC, não podemos negar que não há traição de Lula em relação à campanha, somente à sua militância fanática.

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Fica aqui meu registro histórico de alguns aspectos mais concretos dessa traição gigantesca. Enquanto isso, os banqueiros e rentistas nunca são traídos por Lula.

Finge não poder demitir Campos Neto quando na verdade tem a maioria do Conselho Monetário Nacional e do Senado para demiti-lo, como provou enfiando Zanin e Dino pela goela dos senadores. Ao invés disso, Haddad joga junto com Campos nomeando neoliberais para o conselho do BC, como Galípolo, para poder sustentar a decisão “técnica” de roubar você com os juros reais mais altos do mundo.

Lula prometeu colocar o pobre no orçamento e o rico no imposto de renda, e também traiu isso. No último debate presidencial prometeu que o primeiro ato de seu governo seria isentar de imposto de renda quem ganha até 5 mil reais. A faixa de isenção ficou em dois salários somente, e não foram criadas novas alíquotas. O rico continua fora do imposto de renda, porque não o paga sobre dividendos.

O pior em matéria de serviço aos super ricos foi, no entanto, a reforma tributária. Papagaiada pela bancada governista como um grande avanço nacional, não teve a coragem sequer de criar um IVA (criou dois) e só irá implantá-lo depois do mandato de Lula. Já todas as demandas da sociedade brasileira por aumento de imposto para ricos e diminuição para pobres foram ignoradas. Ao contrário, a reforma ampliou a injustiça regressiva do sistema brasileiro.

Para combater essa péssima impressão o governo montou uma operação de propaganda com uma suposta criação de “taxação de super ricos”, que na verdade foi uma antecipação de impostos que já existiam com a maior anistia tributária da história para os amigos do poder. Já os pobres não tiveram tanta sorte. Suas comprinhas na Shopee foram taxadas em 50% e depois da péssima repercussão, Haddad inventou que a Shein, dona do site, iria em troca de ser taxada gerar 100 mil empregos no Brasil. Adivinhe o que ela investiu?

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Os funcionários públicos, tradicional base eleitoral do PT, também foram traídos. Depois de terem sido traídos com uma proposta de reajuste de 1% – sim, 1% – em  2024, agora no fim do ano o governo traiu a traição e anunciou reajuste zero ano que vem, mesmo com a defasagem salarial de 30% causada pela inflação. As montadoras estrangeiras, no entanto, foram muito mais sortudas. Na única ação efetiva de sua promessa de “neoindustrialização”, Lula, através de Haddad e Alckmin, distribuiu 10 bilhões de isenção fiscal para as montadoras. O repeteco do fracasso do governo Dilma foi evidente, mas muita gente encheu os bolsos de dinheiro nisso. Investimento do governo em transporte coletivo, nem pensar.

Em mais um roubo de discurso de Ciro Gomes, Haddad e Lula lançaram o "Desenrola" com juros de 1,9% AO MÊS. O que era um programa para livrar os brasileiros da agiotagem se tornou um programa de refinanciamento da agiotagem. Nem isso para o povo, tudo para os bancos. É claro, o programa foi um enorme fracasso, mas semana passada Lula pediu o Nobel de economia para Haddad por isso. A defesa de Lula da farra da agiotagem foi tão diligente, que Lula chegou a emparedar o ministro da previdência, Carlos Lupi, que ousou forçar uma pequena diminuição dos juros no crédito consignado para aposentados. Para aposentados.

A maior das traições, no entanto, foi a manutenção do teto de gastos. Símbolo máximo da retórica petista contra o “golpe” de 2016, ele foi legitimado com o “arcabouço fiscal” de Haddad.

É claro que tudo isso era só o começo. Grande parte do apelo eleitoral de Lula para uma camada mais nacionalista da população foi a promessa de salvação da Petrobras, esquartejada pelo governo Bolsonaro. Mas isso não aconteceu, ao contrário, a sua privatização por partes continuou, enquanto um conhecido lobista de petroleiras internacionais, o privatista Jean Paul Prates, foi nomeado por Lula seu presidente. Só nesse ano, em abril, o governo Lula vendeu quatro campos terrestres de petróleo no Espírito Santo para a Seacrest por 427 milhões de dólares. Ao invés de reestatizar a Refinaria Mataripe na Bahia, aquela que foi doada por Bolsonaro e vende hoje a gasolina mais cara do Brasil, Lula fechou acordo com Árabes para expandirem a produção aqui e remeter mais lucro para o exterior.

Cedendo à pressão de ONGs como o Greenpeace, o governo impediu a Petrobras de explorar petróleo mais de 175 quilômetros mar adentro da foz do Amazonas, mas para privatizar petróleo não cedeu: agora, no fim do ano, entregou 41 campos de petróleo e gás na Amazônia por 51 mil reais cada um (é isso o que você leu, “mil”) para uma empresa sem capital criada um mês antes. Não só campos de petróleo. O governo concluiu a privatização de outras três refinarias além de Mataripe: a venda da Refinaria Isaac Sabbá (Reman) foi concluída no final de novembro para a Atem Distribuidora. A Refinaria Clara Camarão, no Rio Grande do Norte, foi adquirida pela 3R Petroleum e a Refinaria Paraná Xisto (SIX) para a Forbes & Manhattan. A Lubnor, em Fortaleza, também estava na lista do abate de Lula, mas foi salva por uma ação da prefeitura de Fortaleza.

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Já a PPI, política de preços que escorcha a classe média e o caminhoneiro brasileiro, foi “extinta” pelo governo em mais um golpe de marketing. Em seu lugar, uma coisa muito pior, a ausência completa de critério no preço dos combustíveis, que, como confirma a AEPET, durante todo o ano, e ainda agora, é praticado num nível mais alto do que a antiga PPI. Isso foi para retomar o programa de investimentos da Petrobras? Não, foi para distribuir dividendos para os grandes acionistas da Petrobras aqui e no exterior. Em um único trimestre, a Petrobras chegou a distribuir 24 bilhões de reais.

A Amazônia foi um dos principais alvos das traições de Lula nesse mandato (e nos anteriores).

A privataria promovida pelo governo não se limitou à Petrobras. Traindo discurso contra o “governo neoliberal de Bolsonaro” da campanha, Lula arrendou ainda cinco terminais portuários, que custaram centenas de milhões de reais cada um aos cofres públicos, por R$ 65 milhões. Entregou até linhas de transmissão (sim, linhas de transmissão elétrica) para a China por... zero reais. Foi em troca de uma promessa de investimento. Um negócio da China para a China. Na sua busca constante pela desindustrialização, o governo Lula trabalhou duro, em mais uma traição, pelo acordo com a União Europeia, mas graças a sua incompetência e aos interesses dos agricultores franceses, o que sobrou de nossa indústria sobreviveu mais um ano.

A Amazônia foi um dos principais alvos das traições de Lula nesse mandato (e nos anteriores). Além de entregar nossos campos de petróleo ele demarcou mais seis reservas "indígenas" para aqueles índios formados em ONGs internacionais, alienando mais território nacional de um país que já tem em reservas indígenas mais território do que a França e a Alemanha somados. Além disso, foi mendigar dinheiro para as ONGs internacionais que empregam os militantes do PT na Amazônia, entregando uma fatia maior do controle sobre aquele território para o Fundo Amazônia e os interesses internacionais. Não faltou discurso dele lá fora dizendo que a Amazônia deveria ter gestão internacional. A falta de pudor foi tão grande que o governo Lula começou processo inédito no Brasil, a privatização de florestas. Sim, a gestão de Lula começou a entregar nesse mandato florestas à gestão privada.

As viagens ao exterior foram a festa de Lula. Levou a maior delegação do mundo à COP 28, para passear.

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Enquanto dizia buscar dinheiro para a preservação ecológica, Lula traiu no Brasil sua base ecologista e discurso de campanha – que satanizava Bolsonaro por liberação de agrotóxicos – e em menos de seis meses liberou 179 deles, agora chamados de “defensivos agrícolas”.

As viagens ao exterior foram a festa de Lula. Levou a maior delegação do mundo à COP 28, para passear. Presidente do país mais desigual do mundo, Lula gastou 95 mil em diária só para ele e Janja num hotel de superluxo de Londres para brincar de monarca numa coroação de Rei. O discurso de moralidade pública, que por incrível que pareça Lula fez na campanha, também foi traído. O orçamento secreto, chamado por Lula de “a maior bandidagem já feita em 200 anos de República” ou “fonte do maior esquema de corrupção da história do país” foi ampliado e chegou a pagar em emendas mais de 40 bilhões esse ano. Já a Caixa Econômica, palco de muitas das maiores imoralidades de Lula – como as 51 malas de dinheiro vivo no apartamento de Gedel – foi entregue de porteira fechada para Arthur Lira.

Em outra traição desavergonhada ao discurso de moralidade – feito no último debate presidencial, onde prometeu que não iria indicar amigo ou partidário ao supremo – Lula indicou Zanin, seu advogado pessoal, e Dino, seu correligionário, à Suprema Corte. Nem os identitários foram poupados das traições de Lula. Além da indicação do conservador Zanin ao Supremo, Lula indicou bolsonarista apreciador de USTRA para a Sudene e Paulo Gonot, conservador, para a PGR. Para compensar as pretensões fascistas dos identitários, Lula, eleito em nome da “democracia” contra o “fascismo”, traiu a liberdade de expressão e promoveu a lei da mordaça na internet em regime de urgência.

A maior das traições, no entanto, foi a manutenção do teto de gastos. Símbolo máximo da retórica petista contra o “golpe” de 2016, ele foi legitimado com o “arcabouço fiscal” de Haddad, que congelou o Estado brasileiro e só deixou o caminho do aumento de impostos no futuro. A traição foi tão hedionda, que mesmo limites considerados sagrados pelo Congresso e até pelo bolsonarismo, como os pisos da saúde e da educação, foram destruídos. A monstruosidade culminou com o não pagamento pelo governo do piso da enfermagem. O resultado do arcabouço é que crescimento brasileiro está hoje numa camisa de força pior do que a de Temer, preparando o país para mais uma década perdida, e quando a ruína vier, a culpa será colocada na “gastança” da esquerda.

Tinha ilusão, antes de começar esse artigo, de limitar em três páginas o resumo das traições de Lula e do PT neste que é o maior estelionato eleitoral da história do país. Mas não fui capaz. Fica aqui meu registro histórico de alguns aspectos mais concretos dessa traição gigantesca. Enquanto isso, os banqueiros e rentistas nunca são traídos por Lula. Com projeção de 100 bilhões de lucros esse ano, os quatro maiores bancos brasileiros estão satisfeitos. Os rentistas, por sua vez, nadarão no recorde de juros pagos pelo setor público na história do país, já foram pagos mais de 700 bilhões esse ano e a XP projeta 813 bilhões, ou 7,7% do PIB brasileiro EM JUROS, deixando para a poeira o recorde de agiotagem de Dilma em 2015.

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Esse modelo, começado por Fernando Henrique, colapsou o país, o tornou o mais desigual do mundo e fez com que, nos últimos 28 anos, o Brasil se tornasse o quinto país com a menor taxa de crescimento. Não há mais espaço para manter esse modelo econômico. E em 2026, a colheita do fracasso é certa. Quem estiver com o PT vai pagar caro politicamente. A traição na política recompensa a curto prazo, mas mata a longo prazo.

Gustavo Castañon é professor de Filosofia e Psicologia na Universidade Federal de Juiz de Fora. Costuma fazer reflexões diárias sobre política ou filosofia no Twitter e no Facebook.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]