As alegrias ruidosas, que explodem em gritos, pulos e manifestações de entusiasmo, não podem ser comparadas com a suave sensação da desforra curtida em silêncio, que aflora no sorriso que não mostra os dentes no rosto iluminado com a discreta luz do abajur lilás e são curtidas em silêncio, na recatada intimidade. São como o risco no ar do vôo do beija-flor.
Só os agraciados com a deliciosa onda de emoção que não arrebenta na praia como as ondas do mar encrespado e que não se compartilha com os amigos e, por vezes, nem com os íntimos, percebem o perfume do jasmim-do-cabo que inunda o espaço na floração do verão.
Pois o nosso presidente-candidato que curte a melhor fase do seu mandato descontados os dias iniciais dos derrames da lua-de-mel desfrutou na moita da contenção do seu temperamento mais chegado ao espalhafato e ao exibicionismo, a vingança adocicada, sem o fel da maldade, que passou pela cabeça como um raio de luz filtrado pela vidraça, no acabrunhamento da pífia estréia da seleção de Kaká contra os atletas da Croácia, mais parecidos com musculosos levantadores de peso do que hábeis craques de fôlego de mergulhadores e alguns astros que revelam intimidade com a bola.
Ora, o presidente-torcedor, que se confessa um fanático do futebol, convalescia de desagradável choque com o Ronaldo, do qual saiu com o desconforto de quem mordeu a língua por descuido. O episódio é conhecido e estaria esgotado se o ponto final transformado em vírgula não rendesse o desdobramento no momento certo e no local perfeito: o gramado do Estádio Olímpico de Berlim.
Dias antes, ao entrevistar o técnico Parreira como improvisado repórter Lula não enjeita convite para aparecer na mídia escorregou na pergunta que fazia cócegas nas angústias de véspera de estréia e ousou inquirir o treinador da Seleção sobre as gorduras do intocável Ronaldo que não é gaúcho. Parreira tocou a bola e com um drible de corpo, mudou de assunto.
Não se cutuca os melindres da vaidade sensível como nervo exposto. Ronaldo respondeu com a grosseira comparação chula: "Assim como dizem que eu estou gordo, todo mundo fala que ele bebe para caramba".
E se Lula realmente entende de futebol, o feitiço protegeu o presidente ao cerrar a boca e tamponar o repique fácil, em cima da inqualificável atuação do malcriado intocável do Parreira nos 50 minutos em que permaneceu em campo, fincado na área dos croatas como um esteio de amarrar boi em curral, tocando meia dúzia na bola do seu enfado, com um único chute a gol e que mandou a bola para além do muro de Berlim. Nos breves e ralos comentários sobre a decepcionante estréia da mais badalada seleção de todos os tempos, Lula não passou da prudência das obviedades.
Se não mudar de tática e ceder à cócega da loquacidade, Lula ganhou a parada. E com munição para o consumo nos próximos lances da Copa. Para espicaçar os brios dos jogadores, compôs uma frase com o achado feliz: "Na hora em que os jogadores desabrocharem, acho que o Brasil tem chance de ganhar de muito dos adversários".
Atentem para o verbo catita, o desabrochar que recende ao aroma das flores que perfumam a despedida do outono, depois dos temporais que inundaram os campos e as cidades.
O presidente-candidato, melhor o presidente-torcedor, encontrou o verbo exato para o uso e abuso da temporada de esperteza que estamos purgando. Desabrocham magnólias de imaculadas túnicas e cheiro enjoativo no jardim da toga, com a aprovação pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara do Plano de Cargos e Salários do Poder Judiciário, apelido de novo aumento de salários do mais bem pago dos poderes. A generosidade custará a bagatela de mais R$ 5,2 bilhões, na disparada para a lua.
É claro que a Câmara dos Deputados não ficaria fora do festival dos saques ao cofre da viúva. Discretamente, durante o foguetório da Copa, os deputados colheram no fundo do pomar a rosa-louca que desabrocha branca pela manhã, tinge-se de vermelho durante o dia e empalidece ao cair da tarde: na maior moita, receberam a segunda parcela da verba extra pela inútil convocação do Congresso no último recesso parlamentar.
Quem anda caipora é o ex-governador Garotinho que não consegue colher uma humilde maria-sem-vergonha nas muitas caminhadas atrás de uma legenda para candidatar-se à vaga que Lula não pretende desocupar.
Em compensação, um novo milionário de orquídea na lapela pintou no pedaço com a escolha para o lugar de Duda Mendonça como marqueteiro da campanha para o bis de Lula. Trata-se do afortunado publicitário baiano João Santana, que ganhou a taça antes do apito para o início do primeiro jogo. Um nome para as manchetes e entrevistas no palco da fama.
Como nem tudo desabrocha, no canteiro do correto candidato da oposição, Geraldo Alckmin, nada vinga na terra estorricada. Até as trepadeiras de chuchu murcham, sem uma única flor amarelo-pálida para o consolo da esperança.