A Constituição, além de marco legal máximo da nação, é a norma ética da República. Por assim ser, a constitucionalidade envolve uma simbiose formativa entre justiça teórica e razão prática, impondo aos agentes de poder o dever de fazer o certo e exaltar o justo. Sem rodeios, a Lei Maior foi categórica ao impor a “legalidade” e a “moralidade” como princípios mandatórios da administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios (artigo 37). Ou seja, defender uma legalidade imoral ou uma moralidade ilegal traduz antítese insustentável em favor de profanas teses de amesquinhamento constitucional. A Constituição não opera milagres nem perdoa com água benta. Lei é lei e, como tal, deve valer e ser cumprida sem exceções. Afinal, relativizações de ocasião apenas servem a injustiças absolutas.
Em um ambiente institucional de seriedade normativa e honra de procedimentos, aqueles que já praticaram erros políticos graves – homenageando a ilicitude em vez da retidão de condutas – não dispõem de predicados morais necessários ao alto encargo da representação popular. Frisa-se que, ao estabelecer a filiação partidária como condição de elegibilidade (artigo 14, §3.°, V), a Constituição impôs aos partidos políticos a tarefa fundamental de preparar e selecionar candidatos moralmente aptos ao exercício sério, digno e decente da confiança outorgada pelo povo.
Se os partidos falham ou são coniventes com candidaturas indignas, isso não significa que os imperativos éticos e jurídicos da Constituição perderam validade.
Ao contrário: tal traição institucional dos partidos impõe aos órgãos de controle, em especial àquele encarregado pela guarda constitucional, o dever de tutelar a moral pública, coibindo manobras políticas espúrias com vistas a fraudar a ética e a dignidade democrática.
Ao versar sobre o conceito constitucional de inelegibilidade, a Lei Fundamental remeteu o dissecar da matéria ao legislador complementar, fazendo questão de realçar que a legislação tem por finalidade “proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta” (artigo 14, §9.°). Portanto, se determinada candidatura ensejar improbidade, haverá inelegibilidade potencial; se a vida pregressa do candidato indicar imoralidade, haverá inelegibilidade em curso; e, se houver traços substantivos de influência econômica indevida ou abuso de poder, também haverá inelegibilidade em potência. Numa sentença: candidaturas imorais são inconstitucionais, atraindo obrigatória inelegibilidade do respectivo postulante.
Em precedente de luz, a colenda suprema corte já decidiu, em outubro de 2007, que “a ruptura dos vínculos de caráter partidário e de índole popular, provocada por atos de infidelidade do representante eleito (infidelidade ao partido e infidelidade ao povo), subverte o sentido das instituições, ofende o senso de responsabilidade política, traduz gesto de deslealdade para com as agremiações partidárias de origem, compromete o modelo de representação popular e frauda, de modo acintoso e reprovável, a vontade soberana dos cidadãos eleitores, introduzindo fatores de desestabilização na prática do poder e gerando, como imediato efeito perverso, a deformação da ética de governo, com projeção vulneradora sobre a própria razão de ser e os fins visados pelo sistema eleitoral proporcional, tal como previsto e consagrado pela Constituição da República”.
Como se vê, a “infidelidade ao povo” constitui aberta subversão das instituições republicanas, fraudando a legitimidade do voto popular. E não existe fraude política mais grave que o estabelecimento de um sistema corrupto de poder.
Objetivamente, a prática de corrupção ou a omissão em combatê-la configura imperdoável violação aos preceitos da decência e honestidade pública, ensejando governos imorais que, para fins de enriquecimento ilícito, usam e abusam da inocência do povo, divorciando-se da lei e da honra. Ora, além de repudiar o ilícito e a corrupção em todas as formas, a ética republicana impõe ao corpo político constituído o dever de otimização de condutas e contínuo aprimoramento institucional, impedindo a implantação de retrocessos danosos à democracia, à legalidade e aos costumes sociais.
Sobre o ponto, o egrégio STF já decidiu, em outubro de 2011, que o “princípio da proibição de retrocesso político há de ser aplicado tal como se dá quanto aos direitos sociais, vale dizer, nas palavras de Canotilho, ‘uma vez obtido um determinado grau de realização, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um direito subjetivo. (...) o princípio em análise limite a reversibilidade dos direitos adquiridos em clara violação do princípio da proteção da confiança e da segurança dos cidadãos no âmbito econômico, social e cultural, e do núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana’”, vindo ainda asseverar que “o cidadão tem o direito a não aceitar o retrocesso constitucional de conquistas históricas que lhe acrescentam o cabedal de direitos da cidadania”. Por tudo, a existência de uma ordem política proba, lícita e honesta é um dos mais caros direitos da cidadania democrática, inadmitindo-se retrocessos de qualquer natureza. Aqui, não há espaço para compadrios ou composições de empreitada. Chega! Vamos ser sérios. Não podemos mais tolerar o intolerável. Ninguém está acima da lei. Nenhum político está acima da ética democrática. E não há brasileiro que mereça voltar a ser governado por mensaleiros e quejandos. Ou será a imoralidade a regra do Brasil?
Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr. é advogado.
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