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O que se espera de Obama é que reduza o orçamento militar, sem brechas ao terrorismo. Que priorize o equilíbrio ecológico, sem as vacilações da administração Bush. Não é pouco. Passada a apoteose da vitória, as cobranças virão

Quando Lula foi eleito pela primeira vez, em 2002, ele disse: "a esperança venceu o medo". Em 2008, no discurso da vitória, Barack Obama afirmou: "a mudança chegou". Impossível não comparar essas duas frases e refletir. As trajetórias de Lula e Obama são muito diferentes, sem dúvida. Mas as semelhanças, embora sutis, são dignas de nota.

Se pudesse fazer um comentário público sobre a vitória de Obama na mídia americana, o presidente Lula talvez dissesse: "nunca antes na história dos EUA os eleitores fizeram uma escolha tão importante". E ele estaria certo.

Lula também tem muito em comum com Obama no campo econômico. O Brasil de 2002 estava em crise. O dólar chegou perto de R$ 4, a taxa Selic passou de 20%, a inflação foi além de 16% e o PIB recuou quase 1,5% no primeiro trimestre de 2003. Superar a crise que sua própria eleição gerou talvez tenha sido um dos maiores méritos do primeiro mandato. Em 2009, Obama também terá que dar prioridade à economia. As escolhas econômicas de Lula desagradaram a muitos em seu partido. Como serão as de Obama?

O castelo de cartas da especulação exagerada ruiu. Em todo o mundo, há apelos para que os governos gastem mais para recuperar a confiança dos mercados. Juros são cortados às pressas. Nesse contexto, será que Obama tem algo a aprender com nosso humilde e bem-sucedido líder tupiniquim? Claro que sim.

Lula entrará para a história como um líder que, por não realizar nada do que prometeu por anos, agiu da forma mais sensata. E, politicamente, esse é um ato que requer muita coragem. Soa como traição a velhos ideais, mas também pode ser compreendido como uma mudança necessária.

Afinal, o medo da mudança econômica radical e irresponsável foi a principal causa da crise de 2002. Em setembro daquele ano, na famosa Carta ao Povo Brasileiro, Lula reafirmou o compromisso com a ordem jurídica e o respeito aos contratos. Eleito, foi presenteado com uma das transições mais civilizadas que já se viu no hemisfério Sul. O ano de 2003 foi avançando e nada de medidas bombásticas ou populistas, comuns no discurso das campanhas anteriores. Os resultados foram colhidos com o tempo. Reeleito, Lula pôde assistir, finalmente, ao prometido espetáculo do crescimento: 4% em 2006, 5,4% em 2007 e, provavelmente, mais de 5% em 2008.

O que se espera de Obama é que perceba que as esperanças que estão sendo depositadas nele talvez sejam excessivas. Espera-se que seu governo gaste mais, porém com responsabilidade. Que reduza o orçamento militar, sem brechas ao terrorismo. Que priorize o equilíbrio ecológico, sem as vacilações da administração Bush. Não é pouco. Passada a apoteose da vitória, as cobranças virão.

Mas quem sabe baste a Obama fazer como Lula: superar a crise fazendo menos o que esperam dele e mais o que de fato é necessário. Isso talvez deixe frustrados os sonhadores militantes da campanha, talvez custe a perda de algumas amizades antigas. O tempo vai mostrar que a mudança exige ser discreto, mas eficiente.

Robson Gonçalves é economista e professor do ISAE/FGV.

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