O tiro pode ter saído pela culatra na curiosa tática de blindagem do presidente Lula – que nada vê, nada ouve, nada sabe e fala pelos cotovelos – no repeteco da operação de defenestração de Antônio Palocci, o poderoso ex-ministro da Fazenda, e a sua substituição por Guido Mantega, insosso como manteiga de dieta.

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No governo recordista de escândalos, o presidente sempre consegue escapulir pela portinhola dos fundos. Outros do finado núcleo duro tentaram pegar carona no reboque do bonde da impunidade e foram expelidos do veículo, como nos casos emblemáticos do primeiro todo-poderoso presidente virtual, o ex-chefe da Casa Civil José Dirceu e do avantesma Luiz Gushiken, que controlava as verbas de publicidade e dos fundos de pensão e continua albergado do Planalto, ninguém sabe fazendo o quê.

No caso do Palocci as complicações são mais sérias, com o seu rabicho da imprevisibilidade das conseqüências. Se José Dirceu saiu batendo a porta, a sua substituição pela ministra Dilma Rousseff embute o truque de ajustar o modelo da virtual presidenta em exercício à penumbra da dedicação ao controle administrativo do governo à matroca, Palocci despediu-se no eterno clima de crise e escândalo, mas deixa um buraco sem tampa.

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O seu substituto assume desmentindo-se ao entoar o refrão de que "a política econômica não muda", embalado pelo risível argumento que ela não é do ministro mas do governo, ou, para ser mais claro, do presidente. O crítico severo da política de juros converteu-se como incréu que vira carola, antes de mergulhar no silêncio da discrição.

Não há cortina escondendo o palco. As coisas são de transparência absoluta, seja na confirmação do desligamento oficial da realidade no pipoco da corrupção do mensalão e do caixa 2 ou no desinteresse presidencial pela rotina administrativa, exigência prioritária para o exercício do cargo.

Desacertos em cascata: a regra política de ouro de fim de mandato aconselha adiar o mais possível a campanha eleitoral para preservar o governo do envolvimento no clima fervente do debate e permitir que conclua as obras em andamento.

A praga da reeleição semeada pela ambição do ex-FHC, contaminou o sucessor que copia o mestre odiado. Com os exageros da inexperiência e a cota dos seus defeitos. Não foi a oposição que precipitou a campanha eleitoral, com os resultados sabidos e à vista. Mas, o candidato a bisar o mandato, atirando-se à caça do voto em tempo integral e apelando para a debochativa evasiva que não é candidato para abrigar-se no furado guarda-chuva da lei.

O êxito da tática com a recuperação da popularidade presidencial e seu favoritismo ante a debilidade dos adversários cutucou a oposição obrigando-a a sair da toca das hesitações e definir-se pelo lançamento da candidatura do governador Geraldo Alckmin. E o fogaréu liberou denúncias e se espalhou pelas tribunas parlamentares e das CPIs dos Bingos e dos Correios..

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Governo sem presidente dá no que estamos padecendo. Lula não pára no Palácio e é atropelado pelos acontecimentos. Quando cobrado pela omissão, busca calar os denunciantes com as soluções improvisadas.

E é tão inacreditável que os milhões dos delúbios e valérios desviados para o financiamento da campanha da sua eleição e a compra de votos e de mandatos de deputados jamais tenham despertado a suspeita sobre a origem do milagre quanto o desconhecimento, na Brasília das fofocas e futricas, da existência da mansão à beira do Lago Azul, montada e sustentada pelos companheiros petistas da chamada República de Ribeirão Preto, e que foi a perdição do ex-ministro Palocci, abandonado na rua da amargura.

Daqui por diante, o governo, a campanha eleitoral, a reeleição de Lula, o destino da oposição e de lances ousados – com a jogada dos dissidentes do PT, que fundaram o PSol e lançaram a candidatura da senadora Heloísa Helena a presidente para tentar ressuscitar a polarização ideológica entre direita e esquerda – estão ao sabor das marés do inesperado. Só é impossível que não dê em nada.

Na velocidade com que as crises acontecem, a poeirada cobre o rebuliço da véspera com a surpresa do dia. É injusto o esquecimento do inédito show da bailarina da corrupção, a deputada petista Ângela Guadagnin, no plenário da Câmara, para comemorar a absolvição do deputado, companheiro João Magno, denunciado pela CPMI dos Bingos que comprovou o recebimento de milhões do mensalão.

A dançarina desculpou-se em patética entrevista. Desperdício de tempo e de saliva. A sambista é o símbolo da Câmara do baixo clero, do voto secreto para absolver os acusados de embolsar propinas, das mordomias, da verba indenizatória, do aumento em dose dupla dos servidores, da madraçaria, da desmoralização do Legislativo.

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Se o eleitor não varrer esta turma nas urnas de 1.° de outubro e reeleger a saltitante deputada, ela ainda terá seu busto na Praça dos Três Poderes, como ícone da derrocada institucional.